quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Folhas ao Vento: antologia de contos e microcontos (Andross Editora)


Jogada de mestre
Edweine Loureiro da Silva
.
DIABO (beijando e lançando três dados): Seis... seis... e seis
DEUS (incrédulo): Maldito!... Ganhaste outra vez!...
DIABO: E agora, o que me dás em pagamento?...
DEUS: (?) ...
DIABO: (?) ...
DEUS: Toma, leva este planeta azul...
.
.
00013
Dácio Eduardo Fernandes
.
Nunca acreditei em videntes ou ciganas, mas quando aquela mulher pegou a palma de minha mão, vaticinou:
_É muito curta tua linha da prosperidade e da vida!!
Não me cobrou nada, simplesmente virou-me as costas e se foi. Não tive dúvidas: ao chegar em casa, peguei uma faca e procurei dar formas mais favoráveis ao meu destino.
.
.
Folga
Mainene
.
Em plena terça-feira: Manhã na piscina do clube. Tarde no salão de cabeleireiro, após um cineminha.
À noite, paquera e chope no shopping. Que vida boa!!!
Preciso agendar. Quem da família ainda não enterrei?
.
.
Respiração
Rodrigo Dall'alba
.
Às vezes, quando estou com ela, sinto-me como se estivesse em um filme de terror.
Matei mesmo! Não consigo dormir com alguém respirando ao meu lado...
.
.
Passional
Fábio Fabrício Fabretti
.
Achava lindo morrer por amor
e se matava a cada dia.
.
.
História de amor eterno
Alanna Matos
.
Ela queria sentir amada para sempre. Ligou o rádio, pôs uma canção de amor e imaginou que era cantada para ela. Pegou o pequeno frasco em cima do criado mudo, tomou o líquido sem sabor e deitou-se na cama. Antes que a canção tivesse fim, já estava morta. Ela morreu achando que era amada... E seria amada para sempre.
.
.
Passando a marcha
Mariana Barbosa Ferraz Gominho
.
Virou à esquerda. Passou em frente à casa dela. Não parou: passou a marcha, fez o sinal da cruz e acelerou em direção ao poste mais próximo. Concreto, ferro, sangue e gasolina.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Ninguém mais - Cassiano Ricardo

Ninguém mais
.
Quando pergunto alguma coisa ao silêncio da hora triste,
não sei de onde uma voz me responde
.
Quando olho no espelho do rio,
no azul sem mágoa da planície da água,
vejo alguém que me espia longamente
.
Quando vou pela estrada que serpeia o oceano de areia
sob a lua que me ilumina o passo incerto,
noto que um vulto,
alguma sombra estranha,
pelo caminho que me acompanha...
.
Só tenho três amigos:
meu eco,
minha imagem, minha sombra
.
Cassiano Ricardo

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

POESIA ERÓTICA - tradução de José Paulo Paes


Algumas pérolas do presente que ganhei, POESIA ERÓTICA tradução de José Paulo Paes, no meu aniversário da minha mulher.
.
.
Fragmento de Os amores de Ovídio
.
Era intenso o calor, passava do meio-dia;
Estava eu em minha cama repousando.
[...] Eis que vem Corina numa túnica ligeira,
Os cabelos lhe ocultando o alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semíramis,
Dizem, e Laís que amaram tantos homens.
Tirei-lhe a túnica; de tão tênue mal contava:
Ela lutou todavia para cobrir-se
Com a túnica, mas sem empenho de vencer:
Venceu-a, sem mágoa, a traição.
Ficou em pé, sem roupa, ali diante dos meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo abaixo do peito!
Que primor de ancas, que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi tão louvável,
E lhe estreitei a nudez contra o meu corpo.
O resto, quem não sabe? Exaustos, repousamos.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos!
.
.
Da Priapéia
LXVI
Príapo a certa pudica
.
Para não veres meu emblema viril,
apartas a vista, como o pudor exige:
sem dúvida porque o temes olhar,
anseias por recebê-lo em tuas entranhas.
.
.
Do século de ouro espanhol
SOLTA
Idem, V
.
Vinte e dois anos tenho, mãe, para casar-me
pois me doem os dedos de tanto purgar-me.
.
.
Régnier
EPIGRAMA
.
A língua ontem me atraiçoou.
Conversando com Antonieta,
Disse eu "Que foda!" e ela, faceta,
Fez cara de quem não gostou.
.
Muito embora comprometido,
Vi, pelo rubor de seu rosto,
Que o que eu disse dava-lhe gosto,
Mas noutro lugar, não no ouvido.
.
.
La Fontaine
EPIGRAMA
.
Amar, foder: uma união
De prazeres que não separo.
A volúpia e os desejos são
O que a alma possui de mais raro.
Caralho, cona e corações
Juntam-se em doces efusões
Que os crentes censuram, os loucos.
Reflete nisto, oh minha amada:
Amar sem foder é bem pouco,
Foder sem amar não é nada.
.
.
Goethe
DOS EPIGRAMAS VENEZIANOS
.
Quanto tempo procurei uma mulher; só achava putas.
Finalmente te apanhei, putinha: aí tive uma mulher.
.
Não vos irrite, mulheres, admirarmos as moças:
Gozais de noite o que elas de dia excitam.
.
Não te queres deitar nua ao meu lado, bem-amada;
Por vergonha te escondes de mim em tuas vestes.
Diz-me, o que cobiço? A tua roupa ou o teu corpo?
Vergonha: uma roupa que os amantes jogam fora.
.
.
Joyce Mansour
GRITOS
.
Me deixa te amar
Amo o gosto do teu sangue espesso
Por longo tempo o conservo em minha boca sem dentes
Seu ardor me incendeia a garganta
Amo o teu suor
Amo acariciar as tuas axilas
Banhadas de alegria
Me deixa te amar
Me deixa lamber os teus olhos fechados
Me deixa furá-los com a minha língua pontuda
E lhes encher as órbitas com a minha saliva
Me deixa te cegar
.
Queres o meu ventre para te nutrires
Queres meus cabelos para te fartares
Queres meus rins meus seios minha cabeça raspada
Queres que eu morra lentamente lentamente
Que eu murmure morrendo palavras de criança
.
Quero me mostrar nua aos teus olhos cantantes
Que me vejas gritando de prazer
Que meus membros dobrados sou um excesso de peso
Te levem a atos ímpios
Que os cabelos lisos de minha cabeça oferta
Se embaracem nas tuas unhas recurvas de furor
Que permaneças de pé enceguecido e crente
A contemplar lá de cima o meu corpo depenado
.