quarta-feira, 28 de novembro de 2012

RONIN



   A noite estava fria e silenciosa. O vento soprava levemente através das flores rosas das cerejeiras. A lua derramava sua luz sobre o lago no coração da floresta tão bela que parecia ter sido harmonizada pela arte do ikebana. Na margem desse lago um homem ajoelhado lavava suas mãos sujas de sangue nas águas transparentes, mas as manchas não desapareciam por mais que ele esfregasse. E uma mulher o observava, sem saber como lhe dizer o que sentia.

   Eles sofreram uma emboscada na estrada que cortava o bambuzal dos pandas, o samurai mesmo surpreendido derrotou dez homens antes de uma flecha acertá-lo e ainda assim continuo a lutar. Contudo ele era apenas um, por mais que fosse um guerreiro habilidoso como ninguém no bushido, ele não pôde evitar que o inimigo colocasse uma adaga contra a garganta da dama de seu mestre, a mulher mais doce e pura que ele conhecia. Ela ao contrário de seu amo era dócil e carinhosa com seus servos, gentil e honrada. O motivo da guerra entre os senhores feudais era o controle sobre as plantações de arroz e o guerreiro era um servo disposto a dar sua vida por seu daimyo neste jogo de poder.
   Porém quando seu mestre respondeu a ameaça do inimigo dizendo que ele preferia ver sua mulher morta a se submeter a vergonha da derrota, o samurai não podendo deixar que aquela mulher inocente fosse ferida  atacou furioso o covarde que a assustava. Sua katana rasgou o quimono de seda do velho e cortou sua carne como ferro quente na manteiga, com um único golpe o samurai abateu o líder do clã inimigo. Com esse gesto impensado ele salvou a esposa de seu daimyo, mas condenou o próprio daimyo à morte. Os soldados derrubaram o pesado homem de seu cavalo e o trespassaram com suas lanças. Ele morreu gritando na lama. 
   O samurai olhou dentro dos olhos castanhos da dama e viu uma lágrima rolar sobre seu rosto e então, com a alma ardendo em fúria se jogou em um ataque kamikaze, sem se preocupar com sua vida contra os soldados. Ele lutou como se estivesse possuído por um oni, um espírito maligno e os soldados tremiam diante dele. Quando ninguém mais restava e ele estava coberto de sangue e suor, ele se ajoelhou aos pés de sua senhora e pediu perdão por não ter cumprido sua tarefa de proteger seu daimyo. Ela o fez se erguer e o abraçou forte, sentindo a respiração quente do guerreiro contra seu pescoço. Em silêncio eles montaram no cavalo de batalha e partiram.
   No caminho de volta para o palácio ela pediu para que mudassem de direção. Ela conhecia a tradição dos samurais e sabia o que ele teria que fazer quando chegassem, o harakiri, um suicídio doloroso e lento em frente aos outros guerreiros para assegurar com sua morte que seu erro não maculasse seu nome pela eternidade. Não havia perdão para o que ele fizera, nem desculpa, ela entendia, todavia não aceitava a ideia de perdê-lo. Ela era uma bela jovem, muito mais jovem do que o desprezível daimyo que se casara. Ela conhecia até aquele instante somente o lado ruim dos homens, seu pai, um mercador de ervas e chá  extremamente rígido e cruel casou sua filha para se aliar ao poderoso daimyo. Seu marido a humilhava insultando-a e por vezes até mesmo lhe agredindo nas noites em que o saquê não lhe permitia desempenhar as funções de marido. Aquele guerreiro parecia ter surgido das canções e lendas que os monges, os únicos homens que ela conhecera que eram bons, contavam.
    Ela não podia aceitar que ele partisse depois de tê-la salvo, ela precisava de alguma forma agradecer por sua bondade, mesmo não sabendo como. Ela queria mostrar para ele o que sentia, mesmo que ela mesmo não soubesse explicar. Por isso pediu que fossem até a floresta onde antigamente os monges meditavam entre estátuas ancestrais. E lá, depois de acender uma fogueira para aquecê-los, ele lavava as mãos enquanto ela com o coração partido ao vê-lo tão triste e perdido decidiu lavar sua alma.
   Ela era bela, mais bela do que qualquer gueixa das okyias, porque seu encanto era natural. Ela foi até o homem e o abraçou de costas, então ele se virou e fitando-a um nos olhos, beijou. As mãos sem pedir ordem correram despir e desamarrar armadura e quimono. Ela o chamou para dentro das águas e o fez entrar em seu íntimo. Carpas vermelhas e douradas bailavam ao redor deles enquanto eles descobriam a paixão. O fogo queimava os gravetos e liberava aromas de incenso enquanto a pele dos amantes queimava.
   Ele se tornara dentro dela uma onda borbulhante, espumante, caótica e imprevisível, um ronin. Um samurai sem mestre nem destino. Um homem livre para amar sem medo.
   E ela uma mulher protegida, recebendo carinho como nunca sonhara, e feliz.