quarta-feira, 26 de março de 2008

Um Tigre de Papel - Marina Colasanti (uma homenagem minha a Claudia, uma professora inesquecível)


Um Tigre de Papel - Conto da Marina Colasanti
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Sabendo que a ele caberia determinar seus movimentos e controlar sua fome, o escritor começou lentamente a materializar o tigre. Não se preocupou com descrições de pêlo ou patas. Preferiu introduzir a fera pelo cheiro. E o texto impregnou-se do bafo carnívoro, que parecia exalar por entre as linhas.
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Depois, com cuidado, foi aumentando a estranheza da presença do tigre na sala rococó em que havia decidido localizá-lo. De uma palavra a outro, o felino movia-se irresistível, farejando o dourado de uma poltrona, roçando o dorso rajado contra a perna de uma papeleira.
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Em vez de escrever um salto, o escritor transmitiu a sensação de movimento com uma frase curta. Em vez de imitar o terrível miado, fez tilintar os cristais acompanhando suas passadas. Assim, escolhendo o autor as palavras com o mesmo sedoso cuidado com que sua personagem pisava nos tapetes persas, criava-se a realidade antes inexistente.
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O quarto parágrafo pareceu ao escritor momento ideal para ordenar ao tigre que subisse com as quatro patas sobre o tamborete de "petit-point". E já a fera aparentemente domesticada tencionava os músculos para obedecer quando, numa rápida torção do corpo, lançou-se em direção oposta. Antes que chegasse a vírgula, havia estraçalhado o sofá, derrubado a mesa com a estatueta de Sévres, feito em tiras o tapete. Rosnados escapavam por entre letras e volutas. O tigre apossava-se da sua natureza. Já não havia controle possível. O autor só podia acompanhar-lhe a fúria, destruindo a golpes de palavras a bela decoração rococó que havia tão prazerosamente construído, enquanto sua criatura crescia, dominando o texto.
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Impotente, via aos poucos espalharem-se no papel cacos de móveis e porcelanas, estilhaçar-se o grande espelho, cair por terra a moldura entalhada. Não havia mais ali um animal exótico na sala de um palácio, mas um animal feroz em seu campo de batalha.
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O escritor esperava tenso que o cansaço dominasse a fera, para que ele pudesse retomar o domínio da narrativa, quando o viu virar-se na sua direção, baixar a cabeça em que os olhos amarelos o encaravam, e lentamente avançar.Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a enorme pata do tigre abatendo-se sobre ele obrigou o texto ao ponto final.
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Hoje é aniversário da Claudia Maris Tullio que foi a minha professora de Literatura na faculdade. Uma mulher maravilhosa, maravilha, que fez com que eu pegasse de vez o gosto pela literatura e que me apoiou a escrever, a ler e a ter coragem de mostrar o que eu conseguisse exprimir através do texto. Inteligente, alegre e linda, ela me emprestou seu livro da Marina Colasanti de contos chamado "Um Espinho de Marfim E Outras Histórias", adorei devorá-lo, acredito que a leitura e o gesto da Claudia de me emprestar esse livro foi um dos responsáveis de eu querer me aventurar pelo mundo dos contos. Ela também conseguiu me arranjar em uma outra ocasião, "O Castelo De Otranto", o primeiro livro considerado pelos estudiosos, "gótico". Se trata de um romance onde pela primeira vez, a força principal não está nos personagens principais, no heroísmo deles e sim, na força maléfica, diabólica. Eles são meramente desculpas, testemunhas do oculto, desconhecido e poderoso mistério que assola o castelo. E hoje, me lembrando de tudo isso, encontrei pela internet esse conto da Marina Colasanti que estava na coletânea que a Claudia me emprestou e me bateu uma vontade de oferecer a oportunidade de quem gosta de ler, de apreciar esse conto curto, delicioso. Espero que gostem e feliz aniversário professora!

domingo, 23 de março de 2008

DEPETRIS, DE ITARARÉ, ZÉ


Depetris, De Itararé, Zé
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Eu venho da pedra, como diz meu nome
Da fenda, gruta, rasgada e molhada
Onde o divino e o profano promovem
Almas de andorinhas para poetas
Aqui fazemos piada mesmo da guerra
Da iminente ameaça de morte certa
Mudamos, mas o fazemos devagar, sem pressa
Mais importante do que o tempo é a queda
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Nossa cozinha experimental alimenta a cabeça
Das crianças que por ventura morram de fome
Quem não quer amar uma Andressa?
Me perdoem, Elvira Pagã, euela elaeu
Que culpa temos nós de sermos felizes?
O Solda que nos liga é forte
A voz é doce e marcante, Rogéria
Não temos carnaval, temos, no entanto a alegria
Resistimos a tudo, exceto às tentações
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Cristo, premiada Via-Crucis
Orquídeas, espinhos, Andrea e sorrisos
Além dos Sentidos, Maria
Barão da Barreira, Barão de Itararé
Terra de Nobres
Ed Primo, entre amigos
Pra brilhar, havemos de ser qual as estrelas
Entrar no exílio, distância
Para assim ver se alguém percebe o talento que é deixado em desperdício
A cambalear das pernas pelos paralelepípedos
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Meus sonhos lisérgicos são providos
Por Long Sized Dream oníricos
TNT, Killer Machine e outros vícios
Isso tudo, apenas isso, é só o início
Vinte anos, dois meses, dois dias
Beautiful

quarta-feira, 19 de março de 2008

Poema à Vadiagem

Seja na preguiçosa manhã de qualquer dia
Ou ainda na tarde vadia
Mesmo na noite, madrugada
Quando quiser, pode vir
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Seu ninho está com saudade
Guarda as garras e me afaga o peito
Com seu jeito, rodopia sobre si mesma
Até encontrar a melhor maneira de se deitar sobre o meu coração
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Ronrona, se espreguiça
Derrama-se e alisa
Faz dos meus pêlos travesseiro
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Fecha os olhos e descansa
Volta a rir que nem criança
Que eu te desejo bons sonhos com um beijo

terça-feira, 18 de março de 2008

Bocage


SONETO DO EPITÁFIO
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Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

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Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
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Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
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"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".

segunda-feira, 17 de março de 2008

Mais um soneto


LÁZARO
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Não consigo pensar em outra cova mais conveniente
Para me enterrar feito decadente pecadora serpente
Do que a greta de onde brota o rio do aniquilamento
Minha língua-víbora ardente a abrir caminho
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Minhas últimas palavras serão aterradores gemidos
Que ecoarão para sempre na sua garganta, golpe infinito
Onde saliva e dentes mastigam o último suspiro
E deitam no calor interior o fogo infernal e ígneo
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Meu túmulo é o teu corpo sobre o meu quente
Nas trevas me entrego a paz de repente
Jazigo de lençóis molhados e perenes
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Faz-se o milagre, silenciosamente
Eis que, a arder em desejo, subitamente
Ressuscito

quinta-feira, 6 de março de 2008

Soneto Escarlate

SONETO ESCARLATE
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As ondas rubras quebram em teus ombros
Em quedas, cascatas de vermelhidão que ecoam em teus ouvidos
Entre meus dedos, eu colho a umidade, o veludo e o perfume
Desses cabelos quais medusa, vivos
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Ao vento, cachos rebeldes dançam
Roçam a pele levemente, carinho quase desafio
Pois o teu toque, é de eriçar os sentidos
E o teu cheiro é capaz de entorpecer os que amam
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Fortes e viçosos, presos, asas de corvos
Em que seguro com força para puxar
Impiedoso trazendo o teu corpo inteiro para trás
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Desse sagitário são as rédeas que cavalgo
E, no fim, quando ambos estivermos aniquilados
São debaixo dos caracóis carmim que eu vou me aninhar
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POSTADO POR E AGORA JOSÉ?

segunda-feira, 3 de março de 2008

Manhã-Crônica: ASAS


“_Minhas asas? Há, elas são frágeis e fáceis de quebrar, inúteis. Se eu dependesse delas para voar, jamais conseguiria ir mais longe que as serpentes. Ainda bem que minha alma é leve, cavalga o vento, beija a brisa, e não há limites para onde ela possa ir, ela sempre segue a felicidade. E, mesmo assim, para todo anjo caído meu amigo, restam-lhes as pernas. Os homens, os mortais, são tudo o que eles possuem, e eles desafiaram com elas, os portões da casa de Deus, marchando sob a chuva, foram mais longe que qualquer um poderia imaginar. E Ele viu que isso era bom, (no fundo, depois de algum tempo, todo deus quer se aposentar) basta que nós vejamos isso também. Nas noites, penso em você, acordado ou sonhando. E acordo com o despertador da saudade.”