Para sentir seu leve peso
Guardava o rouxinol numa caixinha. Tudo o que queria era andar com o rouxinol empoleirado no dedo. Mas, se abrisse a caixinha, ah! certamente fugiria.
Então amorosamente cortou o dedo. E, através de uma mínima fresta, o enfiou na caixinha.
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O passarinho
Começou dizendo que tinha um passarinho na cabeça. Queixava-se.
O passarinho batia as asas, a cabeça doía. Ninguém lhe deu atenção.
Parou até de se queixar. Gemia, conversava com o passarinho que a habitava. Morreu sufocada, o nariz entupido de alpiste.
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A busca da razão
Sofreu muito com a adolescência.
Jovem, ainda se queixava.
Depois, todos os dias, subia numa cadeira, agarrava uma argola presa no teto e, pendurado, deixava-se ficar.
Até a tarde em que se desprendeu esborrachando-se no chão; estava maduro.
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Na estréia
I
Na noite de estréia o leão tremia tanto de emoção que, num bater de dentes, acabou decepando a cabeça do domador.
II
Na noite de estréia, ao serrar sua mulher em duas, o mágico percebeu que só gostava da parte de cima.
III
Na noite de estréia, depois que todos se foram e as luzes se apagaram, a bailarina deitou-se no fio e adormeceu.
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A paixão da sua vida
Amava a morte. Mas não era correspondido.
Tomou venveno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.
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Semelhança
I
Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. Eu deitava a cabeça no ombro dele e miava baixinho.
II
Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. E eu me apanterava toda para agradá-lo.
III
Vivia dizendo. Mas só acreditei no dia em que, saltando do ármario, cravei-lhe os dentes na carne e o devorei.
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Uma engrenagem
Desmontou a cabeça, peça por peça. Azeitou, poliu, limpou com flanelas. Depois começou a montar. Pronta, viu que uma engrenagem tinha ficado na mesa. Pensou em recomeçar. Tentou. Não conseguiu. Faltava, para saber desmontar, aquela engrenagem principal.
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Mais da Marina Colasanti pra vocês.
2 comentários:
"Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. Eu deitava a cabeça no ombro dele e miava baixinho."
(isso me lembra algo...)
"Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. E eu me apanterava toda para agradá-lo."
(cada vez mais familiar...)
"Vivia dizendo. Mas só acreditei no dia em que, saltando do ármario, cravei-lhe os dentes na carne e o devorei..."
(hmmmm... coincidência?)
Muito bom...bjos!!!
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