terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Píton
Sou serpente e mastigo entre os dentes
bocas, línguas e clitóris
Sou víbora e despejo veneno sobre coxas e seios
Respiro gemidos alheios
Me aqueço roubando o calor de outros corpos
Me escondo dentro das mulheres
Mordendo-lhes o pescoço
Até sangrar
Sugando a vida e o prazer
E em um abraço constritor
quebro-lhes o corpo
fazendo suas almas
gozarem
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Primavera
O vento devagar lambe a pedra
e a molda, invisível, transformando
o bruto em belo
E assim, sem pressa, brinca com a água salgada
e cria ondas que podem engolir praias
e destruir castelos
Mais além, faz carinho no jardim
e pétala por pétala, à flor da pele
causa arrepio, causa medo, calafrio
depois murmura e cala, e por fim
quando parece que não vai acontecer mais nada
aprendemos que simplesmente
nascera um jardim em outro lugar
Quem sabe no deserto de pedras lambidas pelo ar
Ou em uma ilha que há de afundar no mar
O importante é saber fazer tudo florir
E aprender a amar
sábado, 18 de dezembro de 2010
No harm done, No harm taken
Às vezes é mais fácil arranjar um pretexto
Mesmo que assim, sem jeito, sem nexo
Tem coisas que só se acalmam
com sexo
.
E a chuva nos molha de um jeito ou de outro
Sabemos que é uma busca por ouro de tolo
No entanto, não conseguimos deixar
de mergulhar no mar revolto
.
E assim é, E agora José?
hei de brindar o que vier
sem jamais me arrepender do passado
que estará para sempre enterrado
em cova rasa
.
e se o vento te balançar os cachos
saiba quem é que há de estar ao teu lado
só há uma ninfa, só há um sátiro
domingo, 12 de dezembro de 2010
Ao Gigante Adamastor
Não luto contra o tempo
Prefiro o momento
Não uso de argumento
Pra justificar a felicidade
Eu a crio, a busco, a presenteio
Não comparo, não invado
Não insulto, não desfaço
Não uso as ruínas alheias para elevar meus sentimentos
E a cada castelo de areia erigido, mesmo que efêmero
É para sempre meu, inclassificável, portento
E se o mar vence meus sonhos e minhas esperanças
com tempestades de ignorância
vou naufragar em outras praias
sem esquecer dos momentos vividos
com Vênus
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Lupino
E de senhor passei a servo
Guardei as armas e marquei território
Mas uma vez que a besta nos mostra os dentes
Não há como ser diferente
Parti, queimando tudo que ficara para trás
E ao me condenar a liberdade
Longe de quem nunca quis me afastar, mas que sempre esteve
prestes a ser retalhada pela alcatéia alvoroçada
Acabei por vê-la finalmente
Sendo despedaçada por velhos coiotes
E tal visão fez o lobo em mim
Ganhar uma nova chance
Não me sinto feliz, nem bem
Mas vivo, pronto para a caçada
E a idéia me saliva a boca
Mesmo que talvez o coração não sinta mais nada
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Trecho de PULP, último livro de Bukowski
SOLITÁRIO? DEPRIMIDO? ALEGRE-SE. LIGUE PARA AS NOSSAS LINDAS GAROTAS. ELAS QUEREM FALAR COM VOCÊ. PAGUE COM O SEU CARTÃO DE CRÉDITO MASTER OU VISA. FALE COM KITTY, FRANCI OU BIANCA. TELEFONE 800-435-8745
Apareciam as meninas. Kitty era a melhor. Tomei um gole de uísque e disquei o número.
_ Sim? - era uma voz de homem. Parecia mau.
_ Kitty, por favor.
_ Você é maior de 21 anos?
_ Maior - eu disse.
_ Master ou Visa?
_ Visa.
_ Me dá teu número e data de validade. Também endereço, número de telefone, identidade e carteira de motorista.
_ Ei, como vou saber que você não vai usar essa informação pra você mesmo? Quer dizer, me fodendo. Usando a informação pra seu próprio lucro?
_ Acho que sim.
_ A gente anuncia na televisão. Estamos neste negócio há dois anos.
_ Está bem, deixa eu pegar os cartões na carteira.
_ Camarada, se você não quer a gente, a gente não quer você.
_ Sobre o que a Kitty vai falar comigo?
_ Você vai gostar.
_ Como sabe que eu vou gostar?
_ Ei, camarada...
_ Está bem, está bem, espere um momento...
Dei a ele a informação. Houve uma pausa longa, enquanto conferiam o meu crédito. Aí ouvi uma voz.
_ Fala, gostoso, aqui é Kitty.
_ Alô, Kitty, meu nome é Nick.
_ Oooh, sua voz é tão sexy! Já estou ficando tesudona!
_ Não, minha voz não é sexy.
_ Oh, você é tão modesto.
_ Não, Kitty, não sou modesto...
_ Sabe de uma coisa? Eu me sinto tão perto de você! Parece que estou enroscada, sentada no seu colo, olhando nos seus olhos. Tenho ollhos grandes e azuis. Você está bem perto, querendo me beijar.
_ Isso é bobagem, Kitty. Estou aqui escutando a chuva cair e mamando meu uísque escocês.
_ Ouça, Nick, precisa usar um pouco a imaginação. Vamos tentar e você vai ficar surpreso com o que pode conseguir. Não gosta da minha voz? Não acha ela um pouco... ah, sexy?
_ É um pouco, mas não bastante. Parece resfriada. Está resfriada?
_ Nick, Nick, meu garoto. Eu sou quente demais pra ficar resfriada!
_ Como?
_ Eu disse que sou quente demais pra ficar resfriada!
_ Bem, parece resfriada. Talvez fume demais.
_ Eu só fumo uma coisa, Nick!
_ O que, Kitty?
_ Você não imagina?
_ Não...
_ Olhe pra você mesmo, Nick.
_ Tudo bem.
_ Que está vendo?
_ Bebida. O telefone.
_ Que mais, Nick?
_ Meus sapatos...
_ Nick, que coisa grande é essa se projetando de você enquanto fala comigo?
_ Ah, isso? É minha barriga!
_ Continue falando comigo, Nick. Continue ouvindo minha voz, pense em mim no seu colo, o vestido levantando, mostrando meus joelhos e minhas coxas. Eu tenho cabelos louros, compridos. Pense nisso tudo, Nick, pense em...
_ Tudo bem...
_ Tudo bem, que está vendo?
_ A mesma coisa: telefone, meus sapatos, minha bebida, minha barriga...
_ Nick, você é mau! Me dá vontade de ir aí e lhe dar uma surra. Ou talvez deixe você me dar uma surra!
_ Quê?
_ Me bate, me bate, Nick!
_ Kitty...
_ Sim?
_ Me desculpa um momento? Preciso ir ao banheiro.
_ Oh, Nick, sei o que vai fazer! Mas não precisa ir ao banheiro pra fazer isso, pode fazer no telefone, enquanto fala comigo!
_ Não dá, Kitty. Preciso mijar.
_ Nick - ela disse -, pode considerar nossa conversa terminada!
Desligou.
domingo, 21 de novembro de 2010
Soneto de separação
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes
sábado, 20 de novembro de 2010
I Am - DIO
I think I'm through with
just pretending
Knocking at a door
That I've been through before
Congratulations - at last
you've seen my light
Now it's you against the night
I think I'm never coming
after - after all
Now I become the cat
Who always lets you know that
I Am I Am - stronger than the wind
I Am I Am sin
I Am I Am - stronger without you
I Am
For all the words gone unspoken
Silence isn't gold
Or the story's never told
Investigation - at last
I've found my light
And we shine
So now I'm like the cat
Who always tells you this that
I Am I Am - stronger than the wind
I Am I Am sin
I Am I Am better without you
I Am
I think I'm way outside illusion
Breaking down the door
That locked me in before
Congratulations - now
that you've seen my light
- after all
And when I become the cat
I'll always let you know that
I Am I Am - stronger than the wind
I Am I Am sin
I Am I Am - stronger without you
I Am
I Am I Am - brighter than the sun
I Am I Am everyone
I Am I Am - better without you
I Am
I Am I Am - stronger than before
I Am I Am more
I Am I Am - ready to go on
I Am
domingo, 7 de novembro de 2010
Rélogio de não marcar Horas
sábado, 16 de outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Bom Conselho - Chico Buarque
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
O Lobo do Brasil é o Brasileiro
.
O Brasil é um país de apátridas com Estados permanentemente ineficazes e de governos repetidamente descarrilhados. Todos são ilhas perdidos em um mar de tubarões, polvos e lulas. Sem oposição, sem razão e sem esperança. Não mudamos porque não temos vergonha na cara, todos conhecem as soluções, mas ninguém quer ser o primeiro a enfrentar o velho papel de vítima. Poderíamos estar no mais alto ponto, preferimos no entanto ficar de quatro, parece para maioria, infelizmente, a posição mais confortável.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Siringe
.
Ao longe pastores guiavam seus rebanhos pelos campos e as árvores do bosque murmuravam uma canção de ninar em conjunto com as águas onde náiades se banhavam. No meio de seu devaneio ela sentia surgir sorrateiramente o ser meio-homem, meio-bode, que tanto abominava. Ele esgueirava-se e a encontrava indefesa e excitada. Sua língua quente e áspera de besta machucava o sexo de Siringe que se abria para sentir aquele incômodo prazeiroso. Ele encaixava a cabeça entre suas pernas e bebia qual um animal voraz dos lábios de Siringe. Seu beijo fazia-a contorcer-se, não podia acordar, sentia-se enfeitiçada e desesperada de lascívia.
.
Então ao se entregar Siringe acordava. Sonhava sempre o mesmo sonho e temia não resistir se o deus dos bosques fosse de fato procurá-la como Morfeu profetizava. Até que em uma tarde de verão aconteceu o que a ninfa tanto temia e aguardava. O sátiro surgiu da mata pronto para tomá-la e amedrontada pela paixão de seu perseguidor, Siringe pôs-se a correr. Contudo não havia para onde fugir e ao alcançar o rio Ladon, a ninfa implorou ajuda às náiades. Elas se compadeceram de seu medo e a transformaram. O fauno ao chegar às margens do Ladon encontrou apenas o vento fazendo os bambus cantarem, os bambus nos quais Siringe fora transformada.
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Pã não desistiu. Enfurecido, expulsou as náiades, depois, fez dos bambus uma flauta, assim teria Siringe eternamente ao alcance de sua boca. E a julgar pelo som que a flauta produzia, não resta dúvida que Siringe se deixou levar pelos lábios do deus selvagem gemendo melodias e gozando todas as vezes que ele a tocava.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
O JARDINEIRO (Capítulo Um)
O JARDINEIRO
(Capítulo Um)
Caim
Me lembro aos dez anos, mais ou menos, de ver meu pai sair de casa bem cedo. Sempre que o via pegar o rifle e o facão, mesmo correndo risco de apanhar, pedia para ir junto. Não era sua companhia que desejava, as armas era o que me atraía. (...) Minha vida se resumia em passar os dias ajudando minha mãe com os afazeres e a leitura dos livros mofados do nosso porão, minha única distração. (...) Foi com ela que aprendi a cuidar do jardim, a quebrar o pescoço das galinhas e a furar os porcos para fazê-los sangrar rapidamente. Nessa última lição, demorei a me aprimorar, por alguma razão me divertia errar e vê-los se debatendo e gritando esvaindo-se em sangue. (...) Um pouco depois, não me lembro bem, meu pai farto dos meus pedidos e mais bêbado do que o de costume me deu um canivete e um vira-lata pra que cuidasse. Somente eu seria o responsável pelo cachorro, sua vida estava em minhas mãos. Quando o cachorro estivesse grande e forte, eu poderia acompanhá-lo.
Cuidei do cachorro o melhor que pude. Minha mãe não gostava de tê-lo por perto e meu pai sempre o chutava quando passava por ele. Em pouco tempo o cachorro estava enorme, forte. Sempre tentava me defender quando meu pai avançava sobre mim, o que o deixava furioso. Esse cão foi o mais próximo de um amigo que tive e eu sabia que logo meu pai teria de cumprir sua promessa. Algo, no entanto, estava errado. Seu olhar malicioso deixava transparecer seus pensamentos obscuros. E em uma manhã, com poucas palavras ele me chamou. Fomos os três, ele eu e o cão. Deixou claro pra não esquecer o canivete. Ameaçador resmungou que era bom que eu tivesse tomado conta tão bem do canivete como tinha tomado do cachorro, pro meu próprio bem, finalizou.
Caminhamos por um bom tempo até um lugar longe o suficiente para ninguém nos ouvir. Era uma clareira grande com um tronco no meio. Meu pai então me pediu com uma voz perversa, de quem aguardava há muito tempo por aquele momento, que eu amarrasse o cachorro ao tronco. Enquanto eu fazia isso ele começou a explicar que para aprender a caçar era preciso antes aprender a ser forte. Entender o que significava tirar uma vida. Ele havia preparado um ritual para matar o pouco da inocência que sobrevivera em mim, queria que eu me tornasse como ele. (...) Passei a tarde inteira enfrentando aquele que foi o único que me fizera sentir amado. A cada mordida e a cada golpe de canivete, gemidos e ganidos desesperados escapavam de nós. Só com o canivete eu o enfrentei, ele me amava, mas sabia que tinha que se defender porque eu iria matá-lo. E eu sabia que se não conseguisse vencer, meu pai não iria me salvar dos dentes que procuravam rasgar minha garganta. (...) Não sei quantas horas ficamos ali, eu, todo machucado, o cortava cada vez que ele se aproximava. Tentei fugir, mas meu pai me puxou de volta, gritando que se não matasse o cachorro, ele me mataria.
Finalmente tudo terminou quando enterrei o canivete em sua garganta. O abracei forte para não deixá-lo fugir e em silêncio, enquanto ele se debatia e seu coração pulsava cada vez mais fraco, me despedi. Meu pai orgulhoso das minhas feridas me obrigou a cavar com as mãos, no escuro, uma cova para minha primeira presa. Para dificultar ainda mais, uma chuva desabou sobre nós misturando o sangue à sujeira. A tempestade disfarçou minhas lágrimas. (...) Voltamos tarde da noite, minha mãe se assustou ao me ver todo ferido, sujo e tremendo de frio, porém não questionou meu pai. Estava exausto, ferido, triste, mas era enfim um homem. Sabia o que significava tirar uma vida e estava pronto para caçar.
***
Chegou ao quarto primeiro e certificou-se que o paisagista havia caprichado na decoração. A despedida tinha de ser especial, como nos filmes: vinho, música e pétalas vermelhas – e assim seria. Tomou seu banho, avisou que esperava companhia e aguardou ouvindo Every Time We Say Goodbye por John Coltrane. Uns vinte minutos depois o aviso que a acompanhante subia. Abriu a porta, colocou-a contra a parede e arrancou a toalha. Ela estava linda, vestia um casaco sobre um vestido curto e uma peruca para completar o disfarce, estava sem calcinha.
Berenice adorava provocar, ainda mais quando Allan lhe perguntava se ela gemia com Edgar como fazia com ele. Ela respondia sorrindo que Edgar não sabia tocá-la e que desde o princípio fantasiava em ser currada pelo irmão do seu namorado que diziam levar as mulheres à loucura.
Allan insultava o irmão e Berenice o noivo, excitava-lhes a sensação de sentirem-se perversos e devassos. Gozaram gritando e se mordendo como animais.
Saciados os corpos, a inadiável conversa sobre o casamento iminente começou regada a vinho tinto. Berenice iria se casar com Edgar, irmão de Allan. Ela cogitou por um segundo contar a Allan sobre o exame, mas a sua calma em se despedir a fez hesitar. Ela seria só de seu marido depois do casamento e Allan queria mesmo que Edgar fosse feliz, fora bom enquanto durou, porém havia outras mulheres no mundo esperando por ele. Adormeceram, tinham que repor as forças para ter prazer uma última vez.
Não teve certeza sobre o que o despertou, não havia música, tudo estava quieto e calmo. Sentiu algo úmido e quente sobre suas mãos e seu corpo, agradável. Ao revirar o lençol, encontrou entre pétalas vermelhas, Berenice degolada e a cama encharcada de sangue. Seu coração pulsava rápido e a cabeça doía com uma ressaca absurda, muito embora tivesse tomado apenas uma ou duas taças de vinho. Lavou-se rapidamente e vestiu-se apressado, deixou o quarto e correu para o estacionamento. No carro ligou o rádio que tocava a versão de Marilyn Manson de Sweet Dreams quando as lágrimas rolaram sobre seu rosto. Encostou-se no volante e se deixou levar pelo desespero, ao se inclinar para trás para retomar o fôlego, uma sombra o agarrou colocando algo sobre seu rosto. Não conseguiu ver pelo espelho nada mais que um vulto de um homem, contudo as palavras em tom sarcástico sussurradas em seu ouvido continuaram ecoando enquanto perdia a consciência.
_Boa noite, Cinderela...
Fora trazido de volta à lucidez por um jato de água fria. Estava nu e vendado, com os pulsos presos por correntes o forçando a ficar
O cheiro de carne queimada provocou-lhe ânsia, mas não havia nada para vomitar a não ser uma saliva negra cheirando a vinho com gosto de bílis. Seu corpo estava em estado de choque. Sem controle, sentiu a urina correr pelas pernas.
_Silêncio! – Allan reconheceu a voz que ecoara em seus pesadelos, mesmo o sarcasmo sendo substituído por uma ordem.
_Muito bem, assim é melhor. – Allan tremia involuntariamente e embora tentasse falar, não podia. Sua garganta estava dolorida e sentia a boca anestesiada. Ouviu algo ser arrastado até sua frente, então o som de algo sendo ligado. Percebeu que o homem estava atrás de si e de repente o nó de sua venda fora desfeito. Seus olhos demoraram a se acostumar com a iluminação precária. Em sua frente estava uma mesa com rodas e sobre ela uma tv com um videocassete embutido.
_Quietinho... – Ele ligou a tv com o controle e permaneceu vigiando para que Allan não desviasse os olhos da tela.
“_E agora mais surpreendentes notícias sobre o assassinato de Berenice.” – As imagens eram de um noticiário local mostrando fotos de Berenice e Edgar acompanhadas de uma narrativa sobre a vida de ambos e a dramatização de como Allan, irmão de Edgar teria engravidado Berenice e a assassinado cruelmente. Para fechar a matéria uma curta cena de Edgar tentando fugir dos repórteres e sua resposta furiosa quando perguntado sobre sua opinião a respeito da inocência de seu irmão.
“_Ele me traiu com aquela vagabunda e fez um filho nela. Não me importa se ele a matou, eu mesmo teria dado cabo dela se pudesse! Tudo que quero agora é ver aquele desgraçado morto.”
Os olhos de Allan se encheram de lágrimas, não conseguia acreditar no que acabara de assistir. Começou a repetir consigo mesmo que não podia ser verdade. Então o homem, antes de partir murmurou em seu ouvido:
_Agora preciso ir Allan, vou ver se o quão sério o seu irmão falou sobre você. Sabe, casos de família sempre me comovem... – Terminou de falar e não conteve uma risada sarcástica.
A tv saiu do ar e depois acabou desligando-se sozinha.
Não há como saber quanto tempo Allan permaneceu definhando no escuro com fome e sede. Por isso demorou a perceber a visita. Seu irmão trazia uma cadeira, sentou-se em sua frente e começou a falar. Seus olhos estavam em lágrimas, contudo sua voz era fria. Ele falou sobre a juventude de ambos, e de como sempre ele, Edgar, ajudou e protegeu seu irmão mais novo e o perdoou todas as vezes que ele o prejudicou. Eles nunca conheceram seu pai e sua mãe morreu após o parto de Allan, os irmãos cresceram em reformatórios e tiveram uma infância violenta. Entretanto Edgar conseguiu uma vida, estudar, um bom emprego e a mulher dos seus sonhos. Allan vivia para enfrentar para testar limites, sonhava grande e vivia uma vida medíocre. Depois dos últimos acontecimentos algo dentro de Edgar havia se transformado, a esperança e a bondade que sempre resistiram nele havia ruído com a traição de seu irmão. Contudo, não sabia se teria coragem para fazer o que tinha de fazer.
Viu uma segunda fita sobre a mesa e colocou para rodar. Allan não se calava tentando pedir perdão ao irmão, mas ao ver as imagens dele currando Berenice e perguntando a ela se ela gemia com ele como estava gemendo naquele instante o fizeram se calar. Edgar pegou uma caixa na parte debaixo da mesa e sorriu ao ver as facas. Allan não disse mais nada, sabia que merecia sofrer.
Rogou por misericórdia, pediu perdão, chorou e por fim, quando se deu conta que perderia sua vida, mostrou sua verdadeira face contando a seu irmão tudo que fizera com sua noiva e de como ela gostava e pedia sempre por mais. Edgar ouviu paciente e se despediu de sua humanidade a cada pedaço que arrancou do corpo de Allan. No fim, estava sorrindo e feliz com o bem que o mal lhe fizera.
Mais uma alma semeada no Jardim.
***
Esperei até a baixa estação, não queria correr risco de encontrar alguém. Lembro que fazia muito frio, as folhas úmidas de orvalho calavam nossos passos. Passamos o dia seguindo rastros, checando armadilhas. Conseguimos muito pouco, as trilhas se desfaziam com facilidade. O humor do meu pai após a morte de minha mãe tinha ficado pior, insuportável. Então a alça do rifle arrebentou e ele foi obrigado a me dar a arma já que precisava das mãos livres para abrir a mata com o facão. Isso o deixou no limite, ele nunca me deixava carregar o rifle, não confiava em mim.
Então meu pai encontrou algumas pegadas frescas na lama. Aguardamos em silêncio até que de trás de um arbusto surgiu a nossa presa. Era uma fêmea de cervo com um filhote morto ainda preso nela. Seu sofrimento era tão belo, como de minha mãe. Devagar, engatilhei o rifle. Ao ouvir o barulho da arma, meu pai desesperado pediu para eu baixar a arma. Ele entrou na minha mira e o animal aproveitou para fugir. Meu dedo coçava no gatilho, seria tão fácil, a tentação era enorme. Não podia ser assim, simples. Baixei a arma, aquele imprevisto me fez lembrar de uma citação de Samuel Butler: "A vida vale a pena? Isso não é pergunta que se faça a um homem, mas a um embrião." – e como por encantamento, estas palavras deram novo ânimo a meu pai, para minha sorte.
Decidimos dar o dia por encerrado e eu o convenci a pegar um atalho para voltarmos quando de repente o chão se abriu debaixo de seus pés e ele caiu em um fosso. Aquele cervo havia deixado meu pai distraído, mesmo com a camuflagem, não podia garantir que ele não perceberia a armadilha. (...) Enfim, na cova rasa com as estacas transpassando seu corpo meu pai me fitou com aqueles olhos de espanto que sempre vou lembrar e eu, mirando em sua testa, puxei o gatilho.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
O Complexo de Madre Teresa e de Mártir
O Complexo de Madre Teresa trata-se daquela pessoa que não só não consegue dizer "não" para outras como também sente-se feliz, sente prazer e uma sensação de autorrealização quando ajuda o próximo. Aparentemente podemos considerar essa pessoa um exemplo raro de bom coração, porém não é tão simples assim. Se fizermos uma análise mais a fundo, percebemos que a pessoa que sofre do Complexo de Madre Teresa por seus próprios meios tenta sempre provar sua superioridade exaltando a miséria alheia e sua benevolência em combatê-la. Ele ama a fragilidade dos outros e os humilha com sua ajuda, obviamente mascarando esses sentimentos interpretando o personagem do herói dos fracos, como realmente fora Madre Teresa.
Já o Complexo de Mártir é mais fácil de ser identificado, simplesmente é a pessoa que se viciou em reclamar e se fazer de vítima. O mundo é um vilão e todos exceto quem sofre do complexo são mártires que são torturados pelos outros. O problema dos casos que sofrem do Complexo de Madre Teresa, quando deparados com a realidade de que não há como ajudar a todos sem se prejudicar ou sem sacrifícios, é a tendência em adquirir o Complexo de Mártir. Eles então sentem-se explorados por quem eles ajudaram e os encaram como aproveitadores, sendo o oposto a verdadeira realidade.
Entretanto o perigo se instala de fato quando uma pessoa que sofre desses dois males encara uma outra, que é devota da Santa Ignorância que não é conhecida por sua paciência, mas sim por sua sinceridade cáustica. Estes fiéis seguidores da honestidade "doa a quem doer" não engolem todo o jogo de valores invertidos e deformados e jogam na cara do doente a sua insanidade. Não é preciso dizer que esse confronto com sua própria loucura não é agradável, portanto toda a frustração do doente dos dois complexos recai sobre o impaciente em questão.
Enfim, seria mais saudável se os que sofrem de um ou dos dois complexos, já que eles são por natureza mais adaptáveis, aprendessem a lidar com as pessoas com menos paciência e mais sinceras. Elas jamais vão encontrar um ombro amigo para ser cúmplice de seu teatro intragável nestes indivíduos.
A conclusão que tiramos desses episódios é que devemos, em prol da boa convivência, aprender a respeitar a neurose do outro para mantermos a nossa neurose intacta.
De perto, realmente Wilde, ninguém é normal.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
A Incrível Arte da Proxilidade ou o Blá Blá Blá
Políticos, líderes religiosos e outras figuras de importância parecem adquirir essa habilidade para lidar com as massas e elas correspondem ouvindo aquela música sem sentido e assim hipnotizadas, não dizem nada. Não reclamam, não pensam, não criam.
Alguns chefes parecem também possuir essa característica sobrenatural, a enrolação em nível de tão alta falta de vergonha que você chega a duvidar que não haja realmente nenhum significado naquele discurso inteiro. Mas não se engane, essas falas são iguais a tambores, fazem muito barulho, porém são completamente vazios por dentro.
Meu sincero parabéns para quem consegue ser cara-de-pau assim.
Agora cabe a você decidir se este texto fala sobre alguma coisa ou não.
domingo, 4 de julho de 2010
Seis Eunucos
O sangue escorria por suas nádegas e descia pelas coxas. Os hematomas deformavam o outrora belo rosto. Carne viva. Um a um tocou vagarosamente e com carinho atou os nós delicadamente enquanto eles sonhavam. Um a um ela despertou. Eles ao perceberem que haviam sido mutilados, com o sangue jorrando forte de onde há pouco sua virilidade provara seu valor, gritavam em puro desespero e terror. Com uma paciência encantadora, suja de sangue e esperma, ela foi se banhar. Vestiu-se, pegou o dinheiro do resgate e desapareceu deixando seis eunucos para trás. Ela se tornara a mão esquerda de Deus.
sábado, 15 de maio de 2010
O Einherjar e a Valquíria
Agora, derrotado, ele observava as nuvens negras, a chuva lavando o sangue da terra e os corvos que sobrevoavam os corpos. Entre eles estavam Hugin e Munin, os olhos de Odin. Sua fé estava na esperança que o grande deus o visse também e percebesse o guerreiro agonizante que dedicara sua vida para se tornar um Einherjar. E do alto de seu trono em Asgard, o deus caolho o fitou e ordenou a Svana, a mais bela das valquírias, que fosse trazer o herói abatido até sua fortaleza.
Suas forças começavam a abandoná-lo quando o som de bater de asas ecoou na escuridão. Os céus se abriram e entre uma cortina de luz e cores, surgiu cavalgando um corcel alado e empunhando lança de guerra a rainha das valquírias. Imponente, o anjo de guerra com um só golpe enterrou a lança no peito do guerreiro afugentando os dedos gélidos do abraço inglório do esquecimento. A morte era para os fracos e covardes, a batalha duraria até o Ragnarök, o fim dos tempos, e o nome daqueles que estivessem nesse embate seria eterno.
Contudo não fora apenas Odin que voltara sua atenção para o mundo mortal. Farejando o odor de morte o filho de Loki, um monstro em forma de lobo chamado Fenrir, a ruína dos deuses, havia se libertado de suas correntes e procurava o lugar onde tantos haviam perecido para saciar sua fome. Entretanto não existia nada exceto os próprios deuses que pudesse aplacar a fome de tal criatura maldita e quanto mais o lobo devorava, mais sentia a urgência de destruir. Ao ver o Einherjar e Svana, os olhos de Fenrir brilharam de satisfação.
Uma batalha se iniciou e lançando luz no coração das trevas a valquíria em vão golpeava a bocarra negra que anseava engolí-la. Em pouco tempo Fenrir estava sobre a valquíria pronto para desfazê-la em pedaços quando o guerreiro com o peito aberto e o coração pulsando, desafiou a fera a abatê-lo. O sangue escorrendo da ferida excitou o lobo que correu para matar o Einherjar, então, nesse momento o sol levantou-se sobre a terra e a luz cegou Fenrir. Há muito tempo Fenrir sonhava em ter dentro de si tanto poder. Encantado e esfomeado ele foi-se caçando a luz, deixando para trás o guerreiro e a amazona.
Svana, trêmula, agradeceu o guerreiro que retribui seu gesto com violência. Ele jogou-a por terra e assumindo de onde Fenrir parara, ele a possui cruelmente. Ao contrário do monstro que queria a valquíria em suas entranhas, o guerreiro invadiu a valquíria e penetrou em sua carne que perdia sua luz e se ruborizava. Arfantes gemidos e súplicas sairam da boca da rainha que era feita de escrava, servindo ao desejo do guerreiro. Quando tudo acabou ele não mais se importava com a companhia dos deuses ou com a guerra final, apenas queria estar com Svana para batalhar o prazer, como acabara de fazer. E a valquíria, humilhada e currada, machucada, procurava o calor do homem para esquentá-la, já que seu corpo perdera a luz divina e ganhara o toque mortal.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
domingo, 14 de março de 2010
Oração à Lilith
Fui seduzido pelo inferno
Me deitei com uma cadela suja
Através de tal bruxa pratiquei a imundície
Sou agora mestre na arte impura da lascívia e da luxúria
.
Cruzar como as feras
Copular como as bestas
Fornicar como os monstros
Me tornar demônio
Ser caído e rastejar
Sorrir ao queimar
Amar o fogo
Odiar a luz
Me misturar com as serpentes
Disseminar a verdadeira semente
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Relembrar a Criação
Revelar o Falo e a Vulva
Todos os possuem, Todos são maculados
Se Deus não amasse o pecado
Não haveria nos criado
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Fodam-se
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Amém
O Beijo da Serpente
Insetos invasivos são meus dedos entre os seus cabelos
Puxando e arrancando como se estivesse colhendo
Em um campo, flores do mal
E o vento forte se confunde com seus gritos
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O sangue embaixo das minhas unhas é tão nobre
Como a terra que se esconde nas mãos do jardineiro
E assim me dedico a tornar seu corpo vivo e florido
Tal uma rosa, em chamas, vivo, vermelho
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Os meus dentes se alimentam da sua carne
Cravando-se no banquete que você me proporciona
E seus pedidos de misericórdia soam como música para os meus ouvidos
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Minha sede é saciada na concha úmida que verte
As águas mais doces que a ambrosia dos deuses
Afinal o seu teatro de dor é quase real
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Contudo o seu sexo excitado não mente
E assim selo nosso amor com um beijo
Minha Eva, sou sua Serpente
domingo, 7 de março de 2010
Ira
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Com a ajuda dos partidários se misturaram ao povo até tornarem-se indistinguíveis dos que apenas queriam uma nova chance. Trabalharam para se tornar respeitáveis e na calada da noite torturaram aqueles que desde o princípio fizeram a América.
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O tempo foi passando e o ódio começou a dar lugar ao desejo de uma velhice tranquila. Cada vez menor, a organização definhava. Eles, por outro lado, tinham família, emprego, dinheiro. Uma vida que jamais cogitaram enquanto conduziam os prisioneiros para as câmaras de gás. Distanciaram-se uns dos outros, queriam apenas gozar a vida que lhes sobrasse. De repente, um se calou de vez. Logo, outro desapareceu e mais outro. Um a um, como se nunca tivessem existido. Ele nunca se preocupou com nenhum deles, era melhor assim.
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Ao descer as escadas se deparou com uma mulher sentada em uma cadeira branca. Ela vestia um vestido azul, antiquado. A estranha de cabelos negros estava à vontade, esperando-o. Bebericava algo escuro, deixando escorrer pelos lábios e derramando no busto e no píres um líquido vermelho-negro perturbadoramente semelhante a sangue.
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_John Coltrane. - ela falou - Mas infelizmente receio que você não aprecie seu talento.
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_Quem é você? - Inquiriu ele.
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_Quem eu sou não é importante Karol, quem você é realmente é o que importa. No entanto pode-me chamar de Ira, se quiser. - Disse ela sorrindo docemente, como uma maníaca.
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_Me diga agora onde estão minha mulher e minha filha! - Ele se aproximava devagar, esperando o momento certo.
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_Se você quiser vê-las novamente, vai se sentar comigo. Prometo não tomar-lhe muito tempo, Hegel. - A mulher fez questão de dizer "Hegel" em um tom desafiador.
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Foi impossível evitar o espanto. Há anos ninguém o chamava assim, o ex-soldado do Terceiro Reich já não se lembrava mais da sua antiga identidade. Karol era quem ele era agora. Seu descuido deixara claro que ele era quem ela procurava. Sem alternativa, Hegel sentou-se encarando-a nos olhos, tentando se lembrar daquele rosto.
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_Preciso reconhecer que foi realmente difícil encontrá-lo. Todos os outros se descuidaram de alguma maneira. Você sempre foi o melhor, afinal, eles precisaram que eu lhes contasse que você era quem havia entregado os seus pares para os russos para poder te encontrar.
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_Você é um fantasma do passado, só não vejo onde você quer chegar.
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_Nunca esperei que se lembrasse de mim. Não tenho nada de especial, exceto que continuo aqui. E você também, infelizmente.
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_Eu não sei do que você está falando, mas se você tocar em um fio de cabelo da minha família...
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_Por favor, suas mentiras te ajudaram até agora, mas não vão funcionar comigo.
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A calma daquela judiazinha o fazia queimar de ódio. Ele sabia que ela era judia, anos enterrando-os havia lhe dado esse poder de reconhecê-los só com um olhar.
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_Pois bem, você quer a verdade? Você simplesmente não tem idade para ser uma sobrevivente de algum campo de concentração, vadia! Então, ou você me diz agora onde minha filha e minha mulher estão, ou eu te mostro o verdadeiro terror que você só conhece pelos livros de História. - Conforme ela queria, a verdadeira face de Hegel viera à tona.
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_Eu nunca disse que sobrevivi, Hegel. Obrigada por ser sincero. Elas estão no porão. - Ira disse essas últimas palavras quase rindo, o que tentava Hegel a esquecer o paradeiro de sua família e matar aquela vagabunda com as próprias mãos.
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Saiu correndo e desceu as escadas apressadamente. Ao acender as luzes deparou-se com sua mulher e filha amarradas, vendadas e amordaçadas. Ambas estavam cobertas de sangue, alguém com uma lâmina havia desenhado suásticas em suas testas. Era realmente sangue na xícara, pensou Hegel, e aquele pensamento o fez perder a cabeça de vez. Ele precisava de uma faca para cortar as cordas, mas antes iria degolar aquela cretina que ousara atacá-lo em sua própria casa e torturar sua família.
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Ao retornar para a sala, Ira havia sumido. A vitrola continuava tocando aquela música insuportável. A xícara sobre a mesa descansava vazia. Alcançou uma faca e esperou ela aparecer. Hegel sabia que Ira ainda estava por perto, podia sentir seu cheiro.
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Ouviu então um barulho na porta dos fundos. Se preparou e quando o vulto se aproximou, ele desferiu um golpe torcendo para acertar a garganta. Qual não foi a sua surpresa ao ver Jörn, um dos seus companheiros, com uma arma na mão e com a outra, segurando a garganta que jorrava sangue. Mesmo assustado, ele desferiu dois tiros contra Hegel, que caiu no chão. Pela porta da frente os outros três que faltavam apareceram: Kliv, Andersen e Otto.
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O que se seguiu foi um tiroteio. Hegel ferido conseguiu pegar a arma de Jörn e mesmo em desvantagem, derrubou dois de seus amigos. Andersen, sabendo que Hegel estava sem balas correu para acabar com ele, chamando-o de traidor. Enquanto isso, Ira se esgueirara até o porão e cortara a mangueira de gás. Fugindo pela pequena janela, ela correu o mais rápido que pôde.
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Hegel e Andersen rolaram pelo chão, um tentando arrancar o revólver da mão do outro. Quando Hegel finalmente conseguiu pegar a arma, sua fúria foi tão grande que ele não deu tempo para o alemão, deitado no chão avisá-lo do vazamento. A explosão não deixou sobreviventes. Os quatro nazistas e a família de Karol se foram.
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Ira, fruto de um estupro coletivo em que os quatro soldados participaram, chorou pela perda do disco do Coltrane.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
A Primavera
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Essa pintura foi uma encomenda de um presente de casamento na qual Boticelli ousou primeiramente pelo tema, dos deuses mitológicos, que não condiziam com a leva cristã da época de quadros representando Marias e crucificações. Além disso, cada figura demonstra uma profundidade perturbadora. Da esquerda para a direita, nós temos Mercúrio, o deus-mensageiro, em uma representação romanceada em seu rosto de um dos grandes patronos das artes. No entanto, reparem que ele está de costas para as demais figuras femininas, procurando um fruto, uma analogia mais moderna que os pré-rafaelitas deram ao homossexualismo. Um simbolismo que chegou a inspirar Oscar Wilde.
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As três figuras seguintes, seminuas, sensuais, escandalosas ainda para os dias de hoje, são as três graças, as Cárites. Em seus vestidos esvoaçantes elas provocam com a sua felicidade e erotismo, insultando os olhos dos que repousam nos quadros. Quando a classe-média européia se deixou vencer pelo modismo e abraçou Boticelli como seu produto de consumo, aqueles que escolhiam A Primavera para decorar suas salas sabiam que quando algum vizinho os visitasse, se ruborizaria ao ver as três Cárites saficamente desenvoltas em sua dança. Uma delas, inclusive, olhando atenta e interessada para a figura de Mercúrio.
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Ao centro, temos Vênus, a deusa do amor, em uma representação mais enquadrada na Maria cristã, dando uma espécie de benção para os quatro personagens da ala esquerda. Acima, temos o Cupido, deus responsável pelo arrebatamento da paixão. Cupido está vendado, cego e justo como a nossa atual justiça, pronto para disparar uma flecha flamejante.
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Contudo, dentre todas, as figuras que mais chamam a atenção são as três figuras da ala direita. Na extrema direita temos Zéfiro, o vento do Oeste, que segundo os mitos, insanamente louco de paixão persegue e estupra Clóris, uma ninfa da floresta, a personagem ao seu lado, com flores e ramos saindo da boca. A outra mulher ao seu lado é Flora, a deusa das flores, a mulher que Clóris se torna após ser violentada por Zéfiro. Um presente nada adequado para um casamento.
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Continuando, os mitos dizem que Zéfiro, arrependido pelo que havia feito, acaba por desposar Clóris fazendo dela, agora Flora, sua esposa. O rosto enigmático de Flora, feliz e insolente, encarando de volta os que vislumbram o quadro mostra uma combinação das personalidades de Clóris e Flora, da menina e da mulher e a do próprio Zéfiro, em uma representação andrógina, belamente bizarra, misteriosa e orgulhosa. Casta como o pensamento cristão exigia da mulher e lasciva como a filosofia pagã.
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Um recado para a jovem esposa de um casamento arranjado, para que pudesse entender os desejos do marido e aprendesse a lidar com eles. Já que Flora jamais teve do que reclamar do seu matrimônio.
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Assim, cheio de significados, numerosos como as flores e as espécies pintadas delicadamente uma a uma do jardim onde sem resposta tantos deuses se encontraram na mente do pintor, Boticelli ficou por séculos desconhecido e fadado ao ostracismo até ser redescoberto pelos pré-rafaelitas.
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Flor da Pele
Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar "flor na janela"
Me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final...
Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!
Oh, sim!
Eu estou tão cansado
Mas não prá dizer
Que não acredito
Mais em você
Eu não preciso
De muito dinheiro
Graças a Deus!
Mas vou tomar
Aquele velho navio
Aquele velho navio!
Zeca Baleiro
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Veneno Antimonotonia
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O poder, a ilusão, a mágica e o mistério. Nada disso, deus, diabo e inferno, me tenta o coração. Não sou insensível, nem estou morto. Simplesmente o inferno são os outros e você, você é o meu paraíso. A minha tentação, na qual eu amo me perder. A medida exata da minha melhor loucura.