O JARDINEIRO
(Capítulo Dois)
Abel
***
O noviço quem preparava tudo para o dia seguinte. Por fim se dirigia ao aposento do padre para despedir-se e lhe beijava a mão. Ioseph respondia o gesto com um sorriso. Seu corpo não permitia mais os hábitos de antigamente. O velho antes de dormir ferrava a porta e se deliciava recordando ao olhar as fotos antigas escondidas na mala com segredo que ele guardava debaixo da cama.
Aquela noite como todas as outras sonhou com o passado, com o coral. O coral era uma paixão particular que ele sentia muita falta. Aquelas crianças cantando e exaltando a Deus, todos tão inocentes e puros como anjos, adoráveis, lindos, principalmente os meninos. E dentre todos, ele, Abby, o mais belo e o com a voz mais angelical... - jamais se perdoaria pelo que acontecera àquele pobre jovem. Um pecado.
Durante seu sonhar pareceu perceber uma presença ao seu lado, junto de seu leito e no delírio do sono pediu perdão a Abby, imaginando que ele tivesse vindo lhe fazer uma visita como no passado.
_Perdão Abby, por favor, me perdoe. Mas eu não podia evitar, você era tão lindo e eu, eu... te amava...
Uma voz sinistra sussurrou em seu ouvido antes de sufocá-lo:
_Eu te perdôo padre, mas vamos ver se Eleonore irá fazer o mesmo...
Eleonore soube da notícia por um telefonema, seu filho de treze anos havia pulado da ponte para a morte. Ninguém soube dizer a causa de seu suicídio, ele era inteligente e amado pelos colegas na escola e era a revelação no coral da igreja, sua mãe mesmo não tendo muitos recursos nunca deixara lhe faltar nada.
A notícia do desaparecimento do padre veio pela TV, uma notícia urgente mostrando uma foto do padre e fazendo uma revelação inimaginável. A polícia dizia ter encontrado junto dos pertences pessoais do padre indícios de pornografia infantil.
O telefone tocou, Eleonore ainda em choque atendeu. Uma voz grossa e rouca ordenou secamente:
_Vá até o túmulo de Abby e veja as fotos que separei da polícia para você. Seja rápida e não conte a ninguém. Tenho uma proposta para fazer.
Ela caiu de joelhos com lágrimas quentes queimando seu rosto sem controle, tremendo. Desacreditada quanto ao que acabara de se passar ela vasculhou a memória e lembrou-se dos sorrisos estranhos que o padre dirigia a Abel. De repente levantou-se, pegou a bolsa e partiu.
O velho acordou e a primeira coisa que se deu conta foi o fato de estar nu, preso a uma cadeira e com um saco cobrindo seu rosto.
_Olá padre... Seja bem-vindo, espero que não esteja confortável.
Confuso e assustado o padre começou a pedir que o soltasse, ele rogava tão frágil que mesmo o criminoso mais vil seria capaz de se compadecer de seu estado.
_Isso mesmo, vamos jogar seu jogo Ioseph. Mas sou eu quem dita as regras. Entenda, não estou condenando seus atos, pelo contrário, sou um admirador do seu trabalho. Todos que passaram por suas mãos deram belos frutos.
Aquela voz maníaca parecia a de um demônio, porém o que mais assustava Ioseph era o fato do desconhecido parecer conhecer seus segredos mais obscuros. Sempre temera ser descoberto e jurara a si mesmo que tiraria a própria vida antes de ser julgado pela justiça dos homens. Somente Deus poderia fazê-lo.
_Você é louco, não faço idéia do que está falando. Eu sempre trabalhei humildemente servindo ao Senhor e fiz o que pude para fazer a diferença junto ao meu rebanho.
_Ah Ioseph, por favor. Eu vi as fotos, eu sei de tudo. Inclusive guardei as de Abby de recordação, sei que elas são muito preciosas para você. É exatamente pelo fato de você ter escolhido abusar dos indefesos que o faz tão importante. Você arruinou muitas vidas que acabaram por arruinar outras vidas mais. Percebe a beleza disso tudo? A sequência de destruição e desgraça que você iniciou ao levar aqueles meninos para seu quarto? Você faz idéia do que eles se tornaram? Você ficaria tão orgulhoso se soubesse o que eles se tornaram graças a você.
Ioseph escutava a tudo sem responder nada, jamais lhe passara pela cabeça que ao ceder à tentação de amar poderia resultar em destruição e desgraça.
Sem misericórdia, como se lhe causasse prazer o remorso do padre o homem continuou a falar.
_Porém Abby não rendeu frutos, deu cabo de sua vida e essa perda fez você parar. Sua mãe não se revoltou. Ela está presa pelo luto, pela dor. E é aí que você entra Ioseph, com a sua ajuda nós vamos mudar isso. Vamos libertar a ira que ela guardou por todos esses anos. Você sabe o quão bom é se entregar a tentação, vamos ver se Eleonore irá sentir o mesmo. Estou apostando que sim.
_Quem é você, Lúcifer? Como sabe de tudo isso, como pode saber? E o que você quer de mim, seu louco!
_Eu, Lúcifer? Quem dera, não adianta me bajular Ioseph. Somente cuido para que seu jardim esteja sempre belo. Nós nascemos maus Ioseph e se Deus não existe, tudo é permitido. A natureza humana é essencialmente maligna. Nós vamos fazer com que Eleonore experimente um pouco do que nós dois conhecemos muito bem. A semente da vingança está plantada há muito em Eleonore e até então ela não tinha um rosto para poder se voltar contra. Hoje ela vai florescer.
Horas mais tarde o homem retornou, o padre reconheceu seus passos pesados. O que o encheu de pavor foi perceber que o “jardineiro” não estava sozinho. Alguém se sentou a sua frente, a respiração ofegante, nervosa. Finalmente o silêncio foi quebrado:
_Perdoe-me padre, porque vou pecar. Vou tirar a vida de um homem e não me arrependo nem um pouco. Pelo contrário, estou com medo de que não possa me segurar e acabe indo rápido demais, que eu não faça você sofrer o suficiente. Perdoe-me padre, se puder, porque eu não te perdôo. Nunca perdoarei
Uma nova flor do mal desabrochara no jardim.
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