segunda-feira, 30 de maio de 2011

IN NATURA

O Mal ...existia antes do mundo; [...] Consequentemente, existirá depois das criaturas que povoam esse mundo.

Marquês de Sade


O mundo não é um lugar perfeito. A natureza como essência não é sagrada nem benigna, nada similar a mãe que provê alimento e abrigo. O homem nunca foi e nunca será um reflexo divino de tendências justas. As florestas são recantos de monstros, onde se escondem os nossos pesadelos, não santuários de uma obra de amor.
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Não somos virtuosos, nem preocupados com o próximo antes de nós mesmos sem que isso seja nos ensinado, cobrado e se não cumprido, punido. Não respeitamos a liberdade, a opinião, a vida alheia antes da nossa e não dividimos o que é nosso se alguém não nos ameaçar. A civilização é a coleira do ser humano. Tire-a e terá o caos, bestas primitivas. Citando Dostoievéski, "se Deus não existe tudo é permitido". O Homo Sapiens não é mais evoluído que seus antepassados, apenas melhor adestrado.
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Ou seja, a Criação, se existiu alguma, não foi feita por mãos iluminadas, bem-intencionadas.
Um mundo melhor é um sonho de poucos, a maioria quer apenas um mundo em que a coleira aperte menos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

AnticristO


Noite fria, mas era preciso trabalhar. Afinal a época era ótima. O Natal talvez não tornasse as pessoas melhores, mas fazia com que elas gastassem mais. Por isso as caçambas de lixo tornavam-se minas de ouro para quem sabia procurar. E enquanto estava imerso no lixo como um porco chafurdando na lama ouviu um choro estridente. Surpreso, procurou a origem do som, deduzindo ser alguma boneca jogada fora por alguma menina rica e mal-agradecida. Mas nunca poderia imaginar o que encontraria. Uma criança recém-nascida enrolada em um roto cobertor dentro de uma caixa de sapato suja de sangue.
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O fedor era terrível e sem conseguir se segurar o morador de rua despejou na rua em espumantes golfadas a cachaça que bebera anteriormente. Enquanto se recompunha viu as sirenes de uma viatura aproximando-se em alta velocidade. Com medo de ser encontrado com aquele bebê pôs sua mão imunda sobre a boca da criança que chorava alto. Quando se deu conta a criança havia parado de respirar. Desesperado soprou com seu bafo podre para dentro dos pulmões do nenê devolvendo o choro ao pequeno.
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Pulou da caçamba e com a criança no colo fugiu pelas ruas correndo rápido. Deixou para trás muitas latinhas que poderiam ser recicladas rendendo um bom dinheiro. O suficiente até para umas duas refeições mais uma garrafa de pinga. Quando encontrou um beco seguro, acomodou-se com algumas folhas de jornais sujas e úmidas e cobriu-se . Viu correr uma ratazana de um bueiro próximo onde fervilhavam baratas e riu-se ao ver seu companheiro, Rex, traçar uma cadelinha sarnenta e ficar engatado nela. Cansado pegou o resto da marmita que encontrara no saco de lixo do restaurante que sempre roubava e deu um resto de caldo oleoso de feijão para o menino que se regalou com cada gota.
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De manhã acordou com o som de um carro parando no beco. A criança toda suja chorava alto e sem parar o que atraiu a atenção dos transeuntes e estes com medo do mendigo chamaram a polícia. O novato puxou a arma mesmo antes de dar as ordens para o pobre diabo mostrar as mãos e quando ele o fez puxou o gatilho temendo que o hippie fosse machucar o bebê que estava em seu colo. O sangue quente escorreu sobre o menininho o batizando.

Na mesma semana que o mendigo foi morto jovens de classe média-alta atearam fogo a um outro morador de rua que dormia em um banco de praça. O menino achado no lixo foi levado a um orfanato e recebeu o nome de Jesus.

terça-feira, 3 de maio de 2011

LUXÚRIA


Insaciável, animalesca, cruel, sempre faminta consome a tudo e a todos sem se entregar jamais. Irracional segue a natureza da repetição, da soma de corpos, como em uma guerra, empilhando em sua cama vítimas e as usando sem piedade. Febril na pele e gélida no coração, uma chama que queima sem arder. Mecânica e impiedosamente previsível. Um jogo marcado, uma dança de engrenagens, óleo, encaixes e combustão. Quente e efêmera. Um pecado por simplesmente ser infantil, pequena, um caminho fácil, uma recreação que ao se tornar séria, mostra a covardia dos que se entregam a ela. Porque o sexo vai além dos sexos, os corpos são mais do que carne.
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A Luxúria não pode dominar, mas sim ser dominada, usada. Devemos pisoteá-la e fazê-la de ponte para através do corpo, excitarmos a alma.