terça-feira, 5 de novembro de 2013

HALLOWEEN

Era tarde da noite, sozinho com seu rebento a dormir ao seu lado ele repensava sua vida, suas escolhas e o seu futuro. Tudo tão confuso, complicado. Sua felicidade era imensurável, finalmente era pai, porém o caminho até ali tinha sido árduo. Queria ter viajado mais, conhecido outros países, sempre sonhador, um jovem que sonhava em ser admirado como os velhos sábios são e poder contar histórias de uma existência plena. Em partes esse seu pedido estava sendo atendido naquela noite, era seu aniversário, um ano a mais de experiência, um ano mais próximo da morte. E ele comemorava velando o sono de seu filho sentado em frente a tela do computador, completamente perdido em si mesmo na noite de 31 de outubro...

Quando de súbito percebeu ao acabar um vídeo do Michael Jackson que assistia no Youtube uma música ao longe, uma música que sempre lhe causou arrepios. Desde sua infância quando a sua inocência foi roubada por um filme onde um monstro tomava a forma de um palhaço contraíra incurável fobia por tais artistas. O circo para ele era um espetáculo de horror infernal torturante como em uma série que assistiu, Carnivale, e era exatamente a música feliz e engraçada comum a todos os picadeiros que ele ouvia sussurrar por entre seus ouvidos. Um arrepio lhe subiu a espinha, suas mãos começaram imediatamente a suar, sua cabeça latejava.

A música vinha do lado de fora da casa e procurando enfrentar o seu medo foi até a janela para saber do que se tratava em uma tentativa de aplacar a sua consciência. No campo que há em frente a sua casa avistou as luzes e a lona da trupe circense envolta em uma névoa espessa. Estava frio, nuvens carregadas tomavam o céu, aquilo tudo era muito estranho, afinal já era tarde demais para haver um espetáculo e ele não se lembrava de ter visto a caravana chegar naquela tarde e nem ter os visto montar acampamento. Era simplesmente como se eles tivessem surgido de um pesadelo para lhe assombrar.

Olhou para o portão e viu o seu cão, um pitbull brincando com alguma coisa, de repente percebeu que uma figura ajoelhada mexia com o cachorro. Um ser de cabelos esvoaçantes e coloridos, com uma roupa larga e extravagante e um sorriso doentio em lábios pintados o descobriu na janela e o convidou para participar do espetáculo de estréia. Eles se apresentariam somente aquela noite e ele seria o convidado de honra, eles tinham vindo até ali só para ele, o palhaço terminou o convite o chamando pelo nome - KHALED.

Seu sangue gelou nas veias, paralisado não sabia o que fazer, em uma reação de desespero fechou a janela com toda a sua força e a trancou com o cadeado. O barulho fez o seu filho acordar e ao ir vê-lo ele percebeu no corredor que liga a sala à cozinha um vulto o fitando. Não era possível, ele estava dentro de sua casa! Correu de encontro ao carrinho de bebê, mas ele estava vazio, no lugar uma boneca antiga de porcelana com o rosto pintado com uma maquiagem borrada lhe gozava. Uma risada histérica veio do corredor, ele era enorme e carregava consigo o seu filho. 

Khaled estava petrificado, sua alma, sua sanidade posta à prova, ninguém menos do que Pennywise estava em pé em sua sala com seu filho no colo e com aquela voz grossa e jocosa que ele jamais irá esquecer lhe perguntou:

_Don't you want a balloon? 

E sem esperar uma resposta puxou uma bexiga vermelha da mão que escondia atrás das costas e assim que o rapaz pôs os olhos no balão, ele estourou, lavando-o de sangue quente.

O susto o fez acordar com um grito. Seu filho estava chorando e a música Dragula de Rob Zombie tocava repetidamente no Music Player. Aparentemente tudo não passara de um sonho, entretanto aqueles olhos bestiais e aquele sorriso demoníaco jamais seriam apagados de sua lembrança. A cada aniversário o temor de uma nova visita o assombraria até a morte. E a música do circo ainda ecoava em seus ouvidos...


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Nocaute


A luta já estava em seu último round. O corpo começava a mostrar sinais de cansaço, as pernas não gingavam mais com tanta rapidez, os braços pesavam toneladas baixando sua guarda. Mas para ela a dor era um prazer, tudo que acontecera eram apenas preliminares para aquele momento, para aquela sensação. Superação, resistência, era ali em que ela se provava guerreira. Porque ela chegava onde ninguém mais conseguia. Acompanhava seu adversário e o enfrentava quantas vezes fossem necessárias sem nunca desistir e nem reclamar. 

O suor escorria por sua pele quente, pelas curvas, a respiração ofegava em excitação. Olhos fitando olhos. Mergulho de corpo na alma alheia. A luta é uma jornada no oponente, lendo seus gestos e se antecipando a eles para surpreendê-lo. Uma conquista, um flerte. Dois lutadores, dois amantes que se enfrentavam para ter o seu momento solene, solitário, no pódio do prazer, da satisfação. Como no sexo, a mais íntima das relações, onde no final o gozo é solitário, porque de nada importa o outro durante o orgasmo. Ele é um momento único e singular e também exclusivo, uma forma do corpo boicotar o coito com uma descarga de prazer. Um suicídio da biologia, uma pequena amostra da morte, segundos eternos de paraíso.

E o sonho dela era vencer, mas não apenas isso, vencer da maneira mais gloriosa possível. Com um nocaute, o golpe que derruba gigantes tal qual Davi diante Golias. Aquele golpe certeiro que desfaz o nome e a fama, destrói lendas e cria novas lendas. No queixo, deslocando a mandíbula e mandando um sinal certeiro para o cérebro de que para amenizar o efeito do trauma é urgente cessar a atividade física. É o corpo boicotando a luta, a vontade, a alma.

Tanto no orgasmo como no nocaute é o nosso instinto de sobrevivência que nos trai e nos faz de uma maneira ou de outra desistir da nossa intenção, impedindo a nossa ação. Porém a vontade não governa no fim das contas a realidade, afinal não basta querer para se conseguir. E ela aprendeu a lição da maneira mais dura e doce possível. Porque de repente sentiu o gosto de sangue na boca e sorriu, porque lembrou-se da sensação de sêmen quente em sua boca.

E caiu beijando a lona, uma queda vertiginosa como um orgasmo onde se perde o sentido de equilíbrio e tudo gira ao seu redor, ondas de choque e impacto correndo por seu corpo, contraindo músculos e arrepiando a pele. Um devaneio inconsciente, um vislumbre do céu, um desligamento da terra. Deitada no ringue imaginava-se entre lençóis, extasiada e feliz. Nada mais importava, era o seu orgasmo e ninguém iria tirar isso dela. Nem mesmo os gritos do treinador ou a contagem do juíz. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Poder e Sexo

Tudo no mundo é sobre sexo exceto o sexo. O sexo é sobre poder.
Oscar Wilde

Falar sobre, assistir, insinuar. Ele não se faz com os sexos, o sexo se faz com a imaginação. Ela é a mãe do erotismo, da pornografia, assim como o que acontece em Vegas fica em Vegas, o que se passa na sua cabeça fica na sua cabeça... ou talvez não. Afinal é preciso provocar, conquistar, vencer as barreiras e seduzir. Saber e sentir-se desejado é tão afrodisíaco quanto desejar, se entregar ao desejo. Amar-se e amar ao próximo. E assim sendo as palavras são as armas desta guerra, o carinho, os dedos, a língua os soldados rasos que sucumbem no campo de batalha quente da pele. Controlar e perder o controle, baixar a guarda e de peito aberto ser flechado pelo Cupido e penetrar fundo na carne. Ser a razão de alguém se tocar com saudade, seja a razão de alguém se tocar. Tenha o poder e guarde-o entre as pernas.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

ADEUS a DEUS

Os Altos Sinos da Glória racharam ao anunciar a Ordem do Altíssimo. Uma palavra, a palavra final, um verso que abalaria e ecoaria por todo o universo. No início era o Verbo, e este verbo imperativo foi o início do fim. E o nascimento do Pecado.

O céu outrora sempre claro, límpido, boreal e cintilante pela primeira vez se enegrecera. Nuvens de perturbação, trovões e raios tempestivos de revolta surgiram simbolizando a fúria de Deus diante de sua primeira criação, A Estrela da Manhã, o Portador da Luz, o primeiro e mais alto nos escalões divinos havia se rebelado, contestado o Criador.

Lúcifer sempre fora a Mão Direita de Deus, seu Alto Comandante e Emissário, o mais próximo do Trono, coroado com fogo e luz e sabedoria além do concebível a toda a Criação. Mesmo assim ele queria mais, o Poder que assumira era invejado e ele não possuía ninguém mais para invejar a não ser o Poder Dele. E ele desejou o próximo e disseminou a Semente da Discórdia entre os anjos. Desde os Altos Arcontes até aos Querubins a dúvida estava instaurada. A língua de prata de Lúcifer tocara seus corações e fizera com que os sete Paraísos reverberassem a sinfonia que ele regia, a Rebelião.

Deus em sua Clemência demente e petulante concedeu a Lúcifer a chance de desistir, de ceder e pedir Perdão por sua ambição. Se dobrasse os joelhos e se humilhasse perante a Ele, tudo seria esquecido. E Lúcifer pela primeira vez pensou consigo - "Melhor ser Rei no Inferno a ser um servo no Céu". 

As harpas e cítaras se calaram, os hinos silenciaram-se. Os corais, as notas doces da Harmonia haviam se perdido. Uma nova canção seria cantada, a canção do Exílio, pois Lúcifer fora banido do convívio de Deus, banido da Luz para as Trevas. Expulso para sempre e que com ele seguisse todos que partilhassem de seus sonhos de grandeza. E legiões o seguiram, um terço das hostes marcharam atrás daquele que se tornava cada vez mais negro e terrível ao se distanciar do Palácio de Cristal.

Os Querubins choraram como recém-nascidos e puxavam o manto de Lúcifer, tentando fazê-lo desistir, as Graças estendiam suas mãos em saudade e desejo de pedir para que ele ficasse. Mas o silêncio era o grito que saía de suas bocas. Eram cordeiros de Deus, um gado sem força ou vontade própria, e ele, Lúcifer, era um Leão, uma fera que não podia ser controlada por ninguém. Ou seria banido ou destruído e Deus hesitara, pois em Lúcifer, mesmo ele sendo o anjo rebelde e ambicioso que se despedia sem adeus, mesmo assim ele carregava o reflexo e a Imagem Dele em si. 

Afinal Deus é também orgulhoso e prepotente, superior e insuperável e em silêncio, se admirava da coragem de sua cria, abismado com a audácia que refletia Seu próprio Ego. Deus sorriu quando ninguém viu e Lúcifer caiu em chamas e urros. Vaidoso, em uma cena teatral. A Estrela que queimou a Terra e incendeia o coração humano, o aquecendo e devorando ao seu bel prazer.  E desde então Deus tem com quem brincar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

You Could Be Mine

Einstein escreveu a Teoria da Relatividade e a partir dela cientistas desenvolveram uma teoria que se pergunta sobre a própria essência da realidade e sobre a possibilidade de haver outras dimensões paralelas, similares a nossa, mas sutilmente diferentes. Outros levam esse pensamento mais a fundo e dizem que a cada escolha e decisão tomadas, outras realidades são criadas onde as alternativas contrárias se realizaram. Não importa se você acredita em tudo isso ou não, qualquer um vai entender sobre o que vou escrever, mesmo sem nunca ter ouvido falar sobre Albert Einstein. 

Afinal todos os seres humanos se apaixonam. Todos amam e querem ser amados. E conhecem as histórias sobre o coração, das infantis que terminam com "e foram felizes para sempre" até as dos adultos em que os finais terminam de várias formas, poucas vezes, infelizmente, felizes. Essa é uma das minhas histórias que vivi com uma amiga, que escrevo agora como forma de presente.

Na vida nós encontramos todos os tipos de pessoas, pessoas que nos lembramos com saudade, mas que acabamos com o tempo esquecendo o nome, o rosto. E outras que sem sabermos nada sobre, não saem mais da nossa cabeça. Essa amiga em questão eu tenho certeza que jamais vou esquecer o nome, nem o rosto e ela jamais vai sair da minha cabeça. Ela é inesquecível, sem esforço, especial. Um milagre que irradia felicidade onde quer que passa. Sim, não preciso dizer, você caro leitor já deve ter imaginado, obviamente que eu me apaixonei por ela. 

Não fui o único e nem serei o último. É quase que impossível não se apaixonar, porque ela foi feita na fôrma das pessoas que não se fazem mais. É linda e boa como pouquíssimas pessoas são, uma joia rara que quem quer que a conheça, reconhece imediatamente a sorte de tê-la encontrado.

Pois bem, desde o começo me senti atraído por sua companhia, sempre tive e mantenho bons amigos, ótimos colegas, gente que me faz rir e que me divirto junto. Mas não era a mesma coisa com ela, era algo a mais. Eu não entendia, mas sentia e tentei desastrosamente dizer isso a ela. Simplesmente nossas vidas não estavam em harmonia e ela ficou com medo e eu também, então tomei uma atitude que para sempre vai pesar na cabecinha dela, contra o que nós poderíamos ter tido. Me envolvi com a sua amiga e não me arrependo. Fui feliz por um tempo e vivi bons momentos. Quando enfim o inevitável aconteceu me encontrei novamente à merce daquela amizade que teimava em não querer ser só amizade.

Não me restava muita coisa a fazer se não tentar de novo, imagine só, se na primeira vez nós não estávamos em harmonia, agora eu estava desafinado. As minhas palavras saíam, mas não tocavam o coração. Ela me confessou que adoraria que nós déssemos certo, afinal, assim como eu, não havia ninguém mais com quem ela se divertia tanto junto e que lhe fazia mais feliz. 

Qual não foi a minha alegria de ouvir tais palavras, contudo não se iluda como eu me iludi, leitor meu, porque se em um momento ela me confessava tais pensamentos, no outro desmentia e ainda me pagou na mesma moeda o favor que fiz com sua amiga. É, não foi fácil.

Entrei depois em outro relacionamento, fui também feliz e novamente o inevitável me encontrou. Não vou mentir, eu me entristeço porque gostaria mesmo de poder ter feito as pessoas que escolhi e que me escolheram felizes, mas quando descubro que por mais que eu tente, eu não vou ser capaz disso, eu com o coração nas mãos digo sem aparentar que o melhor mesmo é mantermos o carinho e as boas lembranças.

Mas pra ela eu não consigo não aparentar. Ela sabe quando eu estou triste, mesmo que eu não diga, que eu finja não estar. E é por isso que estou escrevendo essa história e esse presente, afinal de contas, serei para sempre seu amigo e torço para que ela seja muito feliz. E se Einstein e os cientistas estiverem certos, em algum lugar, nós fomos felizes juntos. E pensar nisso me faz sentir menos saudades.

Um grande beijo pra você minha querida, saiba que sempre vou te querer bem e que mesmo que eu não queira, de vez em quando, vou sonhar com a outra dimensão.

Aceite esse presente de coração.

domingo, 10 de março de 2013

Só as Mães São Felizes


Vai, ó bruxa ignóbil
Ri teu riso de hiena
Gargalhe alto para o eco do abismo
Sua solidão e tristeza de harpia

Erija na ruína dos sonhos perdidos
Um templo a tua deidade morta
E com ossos e cinzas ore
Para que um dia possam perdoar-te a hora

Pois és um carvalho podre
Corroído pelos vermes do tempo
Vazio, oco e sem alma
E que se diz refúgio, eu digo,
Seu ventre aborta teu feto

Afinal algemas com grilhões tua prole
Para defender e proteger os envenena
Teme que a tragédia que lhe abatera
Seja reencenada, mas não vês
Que impõe a eles uma mais dura ainda pena

Porque és cega, és surda
Só enxerga e escuta o que lhe convém
A de morrer sozinha e louca
E Lúcifer a de te abraçar no além

Este cão morto que chutara, desleal e covardemente
Hoje uiva na noite, contraiu incurável raiva
E agora vai caso se aproxime, lhe mostrar os dentes
E se manter longe da sua laia

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Na Tortura Toda Carne Se Trai


Eu seria capaz de suportar os mais terríveis dos instrumentos de tortura, sessões de crueldade, ser aferroado e trancafiado na mais profunda e escura das catacumbas. Afinal, contra a opressão e a humilhação o orgulho transforma a dor do corpo em uma pérola na alma e calcifica a mágoa e o ultraje em uma arma de resistência.

Porém, a tentação, o doce sabor do fruto da árvore da Vida, isso é irresistível. Como já foi dito, é possível resistir a tudo, exceto às tentações. E das tentações, dos pecados da carne, nenhum é mais doce do que o beijo. Um veneno mortal, que mesmo assim procuramos e guerreamos por ele para podermos prová-lo, mesmo sabendo do mal que ele pode nos fazer. Nos enganamos que o provaremos em doses homeopáticas como um fino liquor servido só nas ocasiões mais solenes, entretanto nos embriagamos com beijos noites adentro como ébrios de vinho.

Ele, o beijo, é o começo, meio e o fim da dança, a inauguração do prazer, o convite ao banquete, o passaporte ao transe. Na tortura toda carne se trai, só é preciso conhecer as ferramentas corretas para tornar horror, sublime e vencer e conquistar qualquer coração. Para eliminar qualquer defesa, desfazer qualquer armadilha. Por algumas horas, por um segundo, por uma noite, pela eternidade.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Manual de Instrução

Eu sou fiel. Sou fiel aos meus amigos, mesmo que muitos deles não saibam porque nunca de fato passaram por algum momento difícil e precisaram de alguém, mas quando precisarem estarei lá. Até lá, talvez eu não seja o mais lembrado, mas quando você precisar, talvez eu seja o único. Os respeito no que eles menos esperam, sem esperar que eles façam o mesmo.

Sou fiel a minha família, mesmo ela tentando a cada domingo e feriado encenar copiando à força a felicidade de um comercial de manteiga, mesmo quando aponto seus erros e discordo em fazer parte desse teatro, porque depende muito mais de cada um a nossa convivência do que de todos nós para que sejamos felizes. E por isso talvez, por dizer o óbvio que ninguém mais quer falar ou encarar, já que reside nele a verdadeira chance de mudança, serei considerado o bastardo. Mas quando o inevitável cobrar seu preço, serão as minhas palavras a soar por último.

Sou fiel a minha filha e por isso sou eu quem a repreendo, ao invés de simplesmente mimá-la ou fingir não ver quando ela erra. Por isso talvez ela me veja no futuro com anseio, mas seu caráter já estará formado.

Sou fiel aos meus amores (a todos), ao meu amor (ao único), ao meu coração (a mim). Porque erro, claro, porém sou sincero e digo sempre por mais difícil que possa ser o que precisa ser dito e vou até onde me permitem ir e geralmente é o mais longe que alguém jamais esteve com você. Quando encontro o limite, por mais dolorido que seja, eu o enfrento. Por amar, por amor, por respeito a mim e a quem estiver comigo, nenhum de nós jamais merecerá sofrer por alguém. 

E quando menos se espera, eu digo "eu te amo".

E embora quase ninguém acredite eu tenho um coração. Meio rabugento, incompreensível para terceiros, insano. Mas ele bate, ele se parte, ele sofre, como qualquer um. E se cansa. Mas não como os outros. Não sigo as regras, mas isso não quer dizer que eu não tenha as minhas. 

Sou fiel até as minhas roupas. Meus tênis velhos, minhas meias furadas, meus jeans rasgados. Então, não tema, você não precisa. Só há uma escolha para mim, ou estou com você ou não. Preste atenção, pode parecer difícil, mas com um pouco de prática você saberá a minha sutil diferença, e ela fará toda a diferença.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Seios


Os seios: primeira fonte de alimento, primeira fonte de prazer. Todas as bestas mamíferas partilham do instinto materno de amamentar sua cria e chegam a quando lhes é roubada a chance, adotar outros filhotes para doarem a vida que escorre de si. Se não fosse pela necessidade da Loba Ancestral em alimentar os irmãos Rômulo e Remo, Roma não existiria. 

Hércules, o maior dos heróis greco-romanos, só se tornou imortal depois de se alimentar do seio de Hera; que ao despertar e se deparar com o bastardo de seu marido lhe sugando o leite lhe ergueu a mão e foi ferida pela força do recém-nascido que apertou seu seio e espirrou o leite divino longe formando assim a Via Láctea.

Ao nascer a criança só cessa de chorar ao sentir o calor do colo da mãe, ouvindo o bater de seu coração, canção de ninar comum enquanto no útero. E aprende rápido a usar de seu choro estridente arma para extorquir leite e abocanhar o seio quantas vezes puder. Os filhotes dos mamíferos lutam para mamar e os que não vencem, morrem. O leão mata a cria de outros machos para garantir que apenas seus herdeiros tenham o direito de mamar e continuar a sua linhagem.

Na Idade Média havia as amas-de-leite, mulheres que tinham seu período de lactação prolongado ao máximo e eram obrigadas a dividir seus seios com os filhos dos nobres garantindo assim que eles não perecessem e eram obrigadas em último caso a escolher entre a prole alheia à própria.

Quando queremos nos lembrar dos grandes que marcaram a história, talhamos bustos, efígies de suas figuras que esculpidas, tornam-se imortais. Tornam-se símbolos, ícones, emblemas, figuras em moedas, selos.

Cleópatra ao decidir tirar sua vida ante a iminência da destruição pelo exército romano, junto com seu amante, diz-se, deixou-se picar no seio pela naja negra para deixar aos seus carrascos um cadáver belo.

Julieta ao retornar de seu sono induzido e encontrar o corpo de seu amado, usa de seu punhal para cravar no peito a lâmina e assim se encontrar com seu amor no pós-vida.

As amazonas, caçadoras lendárias da mitologia, amputavam seus seios esquerdos para melhor manusear o arco.

Em um protesto memorável contra a opressão masculina mulheres queimaram seus sutiãs na década de setenta nos Estados Unidos.

É por vergonha do próprio corpo e do toque, ignorância e falta de costume que a segunda maior causa de morte de mulheres é ainda o câncer de mama. Por outro lado, por vaidade as mulheres pedem e pagam para serem cortadas e taxidermizadas como animais empalhados para terem seus seios aumentados.

Os homens para sempre serão encantados, enfeitiçados pelo poder dos seios, por seu calor e magia e neles muitas vezes acabam por despejar seu próprio leite, retribuindo com gotas quentes simbolicamente a fonte de onde no começo de suas vidas se fartaram.

Mas mais do que isso, as bocas dos homens serão eternamente atraídas pelos seios. E suas mãos eternamente irão ao seu encontro. Seus olhos serão hipnotizados por eles. E os homens os desejarão, mesmo sem ao certo entender a razão disso. Está em nós homens procurarmos por eles, pelos seios, por toda a vida. Desde o nascimento até o fim. Porque neles nos alimentamos, nos satisfazemos, nos afirmamos, sobrevivemos, nos esbaldamos e nos saciamos. Entre eles, sobre eles, em seus bicos. Deles escorre a humanidade.



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Perseu e a Medusa

Eu estremecia sempre que a via. Aqueles olhos de ressaca, de cigana, de górgona, me paralisavam. Eles me  hipnotizavam, me petrificavam de desejo e medo. Não podia evitar nem escapar, não havia saída, era assim desde sempre e para sempre seria eu o escravo de sua alma. Me tornei voyeur de sua visão, só tinha olhos para os olhos dela, diamantes brilhantes cravados em seu rosto, que me cegavam e me enchiam de ambição.

O globo ocular é preso por sete músculos, sete selos, e eu girava naqueles globos estroboscópicos e mesmo encarando aquele abismo, ela jamais me devolveu o olhar. E enquanto ela dormia, eu surgia em silêncio para velar seu sono e vigiar enquanto seus olhos giravam nas brumas de Morfeu. Assim, na escuridão da noite entendi a razão da Justiça ser cega. Só nas trevas era possível julgar sem se comprometer.

Então em um estalo entendi o que deveria fazer. Para tê-la, era necessário antes envolvê-la nas sombras, as janelas da alma eram superficiais demais. Gentilmente a segurei com a cabeça em meu colo e com uma adaga de prata mergulhei o ferro dentro de seu crânio. A dor era excruciante, ela gritava aterrorizada, tomada de desespero, e eu tive trabalho para segurá-la enquanto arrancava as jóias que por tanto tempo sonhara. 

Quando saí, ela continuou a chorar lágrimas de sangue e a se debater contra a mobília, até cair no chão. Então entrei novamente em seu quarto e me fiz reconhecer, ela me chamou pelo nome e me abraçou. Seu vizinho, seu melhor amigo chegara na hora certa para lhe salvar do monstro que a atacara na calada da noite. Eu a socorri e fui seu guia quando ninguém mais a quis e a tive por anos comigo, porém sem seus olhos ela parecia apenas uma memória do que já fora, uma boneca sem alma.

Descobri que para poder amá-la, eu deveria colocá-la na frente do espelho e olhando para o reflexo eu podia ver em minha estante as duas estrelas faiscantes, meus troféus, que me observavam enquanto eu currava a antiga dona daqueles belos olhos. Eles e ela se uniam na prata do espelho e dessa maneira eu tinha seu corpo e a sua alma comigo, juntos. E eu no fim, seria enterrado com eles para que nossas almas descansassem juntas no sono eterno.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Morning Star



Don't pray to me, I'm no God
I'm just a fox, fighting back mother nature
He says I'm a monster, I'm just His creature
Following my instincts, hunting, the predator

I'm a street dog, surviving among the garbage
He created the lice, to bow to Him and He wanted me
To kneel for them too, imagine how could I?
I've carried them on me since
I'm bigger and stronger, yet you people are on me
We run and I try to flee, my only dream is liberty

I scratch and bite, but they still feed on me
I give what you all want, bonded by blood, then you belong to me
Nothing more fair, however you are still unpleasant
Never satisfied children, regretful searching redemption sinners

No shackles, no laws, no blind obedience
Father has lost it, but I have not
Instead of flying as a servant I crawl as a king
I'm the serpent without wings

I'm proud, I turn his ant farm against Him
You are pawns, you are a game, you are credit
In our senseless war

A bad joke, but I will be the last to laugh
Who am I? I'm the light in you, I bear the light
I command it, I own it

Let us sit around my fire and stare to the darkness
Come, come, have a drink on me
And dance at the everlasting midnight hour

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sobre Meninos e Lobos

O medo é a força motriz da vida. É ele o açoite que impulsiona o espermatozoide a nadar até o óvulo para assim não ser descartado. É ele que transforma a beleza do milagre da vida em hesitação na hora do parto, quando a mulher compreende que ela carrega um parasita dentro de si e que é chegada a hora de expulsá-lo e a única maneira de fazê-lo é através de dor e sangue. Simplesmente a própria razão de termos filhos é fruto do medo, o medo de não termos feito nada de relevante, de que ao morrermos, não deixemos nenhuma continuidade, não deixemos nada para trás. E é por medo da solidão quando a morte nos visita que casamos, para agonizarmos com uma companhia para nos distrair do fim fatídico.

O medo é um amigo ancestral do homem, é devido a ele que criamos o fogo, pelo medo que as trevas nos despertavam, mas assim que conseguimos arranjar uma arma contra a escuridão nos demos conta da existência das sombras. O desconhecido é a morada primitiva de todos os nossos medos, a religião é a piada cósmica do medo, tanto que um de seus mandamentos é temer a Deus. A paranoia, as neuroses, os acessos, todos são derivados do medo, fantasiados de outros nomes, para que possamos conviver com o nosso medo de uma maneira mais possível.

Hoje, nos prendemos, nos enjaulamos, nos distanciamos, nos fechamos, nos protegemos atrás de mentiras e convenções sociais para que possamos de uma maneira,  controlar as nossas relações, por medo de nos deixarmos levar pelos outros. O medo pode excitar, por esconder possibilidades nem sempre nefandas, é a ilusão erótica do medo, a fantasia de que de alguma forma o Universo não conspirará contra e sim, reservará algo especial para nós.

E de todos os medos inimagináveis, nenhum é maior do que o que o escritor enfrenta, porque sua matéria-prima é a massa amórfica do pensamento, incontrolável e imprevisível que é o maior dos desconhecidos: o  insondável abismo que reside na alma humana. Então, de tudo que posso temer, nada temo mais do que a mim mesmo, do que posso criar, do que posso parir, do que posso encontrar bebendo dessa fonte chamada imaginação onde não existem limites, barreiras ou leis.

O Homem é o Lobo do Homem. Eu sou o meu Lobo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Nostalgium



   Ah, esse eco na noite escura, esse vulto chamado saudade que me assombra, feito de fantasmas, memórias ressuscitadas. Belos sentimentos, abraços de amigos, abraços apertados, fortes entrelaços, sufocados gemidos, entredentes, quente, suavemente úmido, sente? - Sente-se. Prove o vinho, ouça a música, deixe-se levar pelas névoas etéreas, pelos aromas, há momentos que nos marcam, muitos lembram apenas daqueles que deixam cicatrizes, dos traumas que partem nossas almas como espelhos estilhaçados. Tolos, rememoram apenas a dor, pois existem também as lembranças doces, viscosas, viscerais, lascivas.

   Abra as gavetas certas, escolha os capítulos certos, os que valem à pena serem relidos, os beijos, aqueles beijos, arpejos de nota de amores e desejos, segredos, inenarráveis segredos que só podem ser divididos por parceiros, cúmplices, sem data de validade, eternos. Música para a alma, dance novamente, nu na chuva. Pois o vento da tempestade e da brisa sabe de tudo e mesmo que percorra o mundo, ainda trará consigo o aroma de rosa, de pétalas, de pele, de seres mitológicos. Não junte teias, relembre-se e alegre-se, releia as páginas que você escreveu de sua vida. Veja os personagens que você foi e com os quais contracenou. Lobos ao luar, animais em curra, luta, unhas, feras, monstros, pecados e chocolate, fantasia, páginas e dedos molhando-se nos lábios para virá-las, mas os olhos, os olhos tentam, porém se fecham, virando-se para dentro para sentir o toque que alcança o interior, até a alma.

   E que as ninfas dancem, que bailem, que entrem em transe, que se possa viver e aproveitar o futuro e todas as suas surpresas, mas que sempre que se olhe para trás, já que podemos escolher, lembre-se e sorria. Viva para ter motivos para sorrir, para sentir, para excitar. Suas marcas serão para sempre lembradas, como mordidas no pescoço, língua e saliva no ouvido, risos alegres dobrando como sinos ao longe. Entretanto nunca tão longe que não possam ser seguidos.