sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Perseu e a Medusa

Eu estremecia sempre que a via. Aqueles olhos de ressaca, de cigana, de górgona, me paralisavam. Eles me  hipnotizavam, me petrificavam de desejo e medo. Não podia evitar nem escapar, não havia saída, era assim desde sempre e para sempre seria eu o escravo de sua alma. Me tornei voyeur de sua visão, só tinha olhos para os olhos dela, diamantes brilhantes cravados em seu rosto, que me cegavam e me enchiam de ambição.

O globo ocular é preso por sete músculos, sete selos, e eu girava naqueles globos estroboscópicos e mesmo encarando aquele abismo, ela jamais me devolveu o olhar. E enquanto ela dormia, eu surgia em silêncio para velar seu sono e vigiar enquanto seus olhos giravam nas brumas de Morfeu. Assim, na escuridão da noite entendi a razão da Justiça ser cega. Só nas trevas era possível julgar sem se comprometer.

Então em um estalo entendi o que deveria fazer. Para tê-la, era necessário antes envolvê-la nas sombras, as janelas da alma eram superficiais demais. Gentilmente a segurei com a cabeça em meu colo e com uma adaga de prata mergulhei o ferro dentro de seu crânio. A dor era excruciante, ela gritava aterrorizada, tomada de desespero, e eu tive trabalho para segurá-la enquanto arrancava as jóias que por tanto tempo sonhara. 

Quando saí, ela continuou a chorar lágrimas de sangue e a se debater contra a mobília, até cair no chão. Então entrei novamente em seu quarto e me fiz reconhecer, ela me chamou pelo nome e me abraçou. Seu vizinho, seu melhor amigo chegara na hora certa para lhe salvar do monstro que a atacara na calada da noite. Eu a socorri e fui seu guia quando ninguém mais a quis e a tive por anos comigo, porém sem seus olhos ela parecia apenas uma memória do que já fora, uma boneca sem alma.

Descobri que para poder amá-la, eu deveria colocá-la na frente do espelho e olhando para o reflexo eu podia ver em minha estante as duas estrelas faiscantes, meus troféus, que me observavam enquanto eu currava a antiga dona daqueles belos olhos. Eles e ela se uniam na prata do espelho e dessa maneira eu tinha seu corpo e a sua alma comigo, juntos. E eu no fim, seria enterrado com eles para que nossas almas descansassem juntas no sono eterno.


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