quarta-feira, 17 de outubro de 2018

ERRANTE


No horizonte eu vejo o naufrágio de mais um querido sonho
Nada é realmente para sempre, eu suponho
Enquanto em terra eu piso em cinzas
Queimei tudo com paixões intensas

Jazem os planos em ruínas
Os protocolos de uma vida
Não há certezas nem remorsos
Tão pouco lágrimas nos olhos

Errante, não me culpo por errar
O único crime é não tentar

Pois continuo capitão de meu destino
Cantando nas ruas meus hinos
Que seja em bando ou sozinho
Enquanto estiver vivo
Eu sobrevivo

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

POTNIA - Leonardo Chioda



Na viagem que fiz para Campos do Jordão fiz uma nova aquisição: POTNIA de Leonardo Chioda. Um livro de poesia de um autor totalmente inspirado na simbologia, na filosofia, no subjetivismo. E como tive uma gripe avassaladora neste final de semana não me sobrou muitas opções e ler foi e sempre será um dos meus refúgios quando tudo mais falha, então, por que não compartilhar um pouco desta experiência não é mesmo?

O título "POTNIA" como descrito segundo em seu livro é uma palavra grega que significa: soberana, rainha - título empregado por poetas para exaltar deusas e mulheres de extremo poder. A figura feminina está bastante presente em sua poesia assim como a água e a liquidez da matéria e da existência através da habilidade de sobrepor qualquer coisa.

Cheia de contrastes, adjetivos e comparações que beiram a originalidade estapafúrdia a leitura de sua obra - não vou mentir (cheia de parênteses para descrever descrições sobre descrições) pode ser cansativa e confusa - porém há casos de metáforas tão lindamente lapidadas que não há como não se encantar. Claro que precisamos levar em consideração a limitada capacidade de interpretação desse pobre leitor que se aventura em navegar nestes mares desconhecidos ao lermos esta tão humilde análise.

Eis um exemplo de um de seus poemas para aqueles que se interessarem tirar suas próprias conclusões:

***
e se anda até a escrita
como que semeando um labirinto
para o incômodo glorioso do mundo


e guardado sob o chão o exercício da clareza
entrado mudamente pelos olhos


a escrita se debruça sobre as coisas
[abertas e imundas] com a mão na sombra
e com ela se arranca tudo
pondo a boca dedicada no centro:


eu nasço errado sob o signo da terra
repleto - circular - sem paginação


e o som da palavra se precipita
como se pudesse constelar e resolver a vida
todo próspero

fechado acima ou imenso abaixo
som por onde inspiram os estragos


escrever é a fruta e o seu contrário
a rosa sitiada
a fenda que matura
o devido segredo [no olhar sangrando]
do sobrevivente


eis a escrita extrema: a unção do escombro

***

Essa última descrição sobre a escrita é simplesmente demais: "a unção do escombro". Já li alguns poemas que falam sobre a arte de escrever, mas nenhuma que chegasse perto de descrever este ato assim de forma tão sagrada e destruidora. Pois realmente escrever poesia é um pouco isso. Ação sublime por nos conectar a sentimentos maiores e ao mesmo tempo uma autópsia descarada dos nossos sentimentos e ruínas de certezas. Por esse poema o autor já me ganhou, nesta última linha principalmente.

Não é um autor fácil, de fato. É preciso saber o que é escrever poesia para compreendê-lo. Entretanto é muito gratificante ao ler ser compreendido tão bem. Só quem escreve entende o que é parir palavras.

Ou não, talvez a beleza da poesia seja essa: entender coisas que nós nunca fizemos através da linguagem das almas e dos sentidos.