Na viagem que fiz para Campos do Jordão
fiz uma nova aquisição: POTNIA de Leonardo Chioda. Um livro de poesia de um
autor totalmente inspirado na simbologia, na filosofia, no subjetivismo. E como
tive uma gripe avassaladora neste final de semana não me sobrou muitas opções e
ler foi e sempre será um dos meus refúgios quando tudo mais falha, então, por
que não compartilhar um pouco desta experiência não é mesmo?
O título "POTNIA" como descrito segundo em seu livro é
uma palavra
grega que significa: soberana, rainha - título empregado por poetas para
exaltar deusas e mulheres de extremo poder. A figura feminina está bastante
presente em sua poesia assim como a água e a liquidez da matéria e da
existência através da habilidade de sobrepor qualquer coisa.
Cheia de
contrastes, adjetivos e comparações que beiram a originalidade estapafúrdia a
leitura de sua obra - não vou mentir (cheia de parênteses para descrever
descrições sobre descrições) pode ser cansativa e confusa - porém há casos de
metáforas tão lindamente lapidadas que não há como não se encantar. Claro que
precisamos levar em consideração a limitada capacidade de interpretação desse
pobre leitor que se aventura em navegar nestes mares desconhecidos ao lermos
esta tão humilde análise.
Eis
um exemplo de um de seus poemas para aqueles que se interessarem tirar suas
próprias conclusões:
***
e se anda até a escrita
como que semeando um labirinto
para o incômodo glorioso do mundo
como que semeando um labirinto
para o incômodo glorioso do mundo
e guardado sob o chão o exercício
da clareza
entrado mudamente pelos olhos
entrado mudamente pelos olhos
a escrita se debruça sobre as
coisas
[abertas e imundas] com a mão na sombra
e com ela se arranca tudo
pondo a boca dedicada no centro:
[abertas e imundas] com a mão na sombra
e com ela se arranca tudo
pondo a boca dedicada no centro:
eu nasço errado sob o signo da
terra
repleto - circular - sem paginação
repleto - circular - sem paginação
e o som da palavra se precipita
como se pudesse constelar e resolver a vida
todo próspero
fechado acima ou imenso abaixo
som por onde inspiram os estragos
como se pudesse constelar e resolver a vida
todo próspero
fechado acima ou imenso abaixo
som por onde inspiram os estragos
escrever é a fruta e o seu
contrário
a rosa sitiada
a fenda que matura
o devido segredo [no olhar sangrando]
do sobrevivente
a rosa sitiada
a fenda que matura
o devido segredo [no olhar sangrando]
do sobrevivente
eis a escrita extrema: a unção do
escombro
***
Essa
última descrição sobre a escrita é simplesmente demais: "a unção do
escombro". Já li alguns poemas que falam sobre a arte de escrever, mas
nenhuma que chegasse perto de descrever este ato assim de forma tão sagrada e
destruidora. Pois realmente escrever poesia é um pouco isso. Ação sublime por
nos conectar a sentimentos maiores e ao mesmo tempo uma autópsia descarada dos
nossos sentimentos e ruínas de certezas. Por esse poema o autor já me ganhou,
nesta última linha principalmente.
Não
é um autor fácil, de fato. É preciso saber o que é escrever poesia para
compreendê-lo. Entretanto é muito gratificante ao ler ser compreendido tão bem.
Só quem escreve entende o que é parir palavras.
Ou
não, talvez a beleza da poesia seja essa: entender coisas que nós nunca fizemos
através da linguagem das almas e dos sentidos.
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