A letargia oriunda dos dias frios da época das chuvas - estes dias cinzentos, úmidos e desesperançosos que levam até os maiores predadores a se recolherem em seus covis para esperar dias melhores - se abateu pesadamente sobre ele com as primeiras garoas.
Ele que cá entre nós, convenhamos, não é nenhum alfa, mas que com certeza poderíamos dizer que se encaixaria na descrição de animal de "porte" avantajado. O seu apelido de "Balofo" não fora cunhado à toa.
Junto deste desânimo atroz veio em conjunto uma melancolia tal qual Baudelaire descreveria como o seu conceito de "Spleen". As trevas da sua sombra lhe cobriram como um manto de tristeza, desânimo, sofrimento e apatia. O frio e a morte lhe abraçavam sussurrando coisas terríveis aos seus ouvidos. Ainda bem que nunca teve armas em casa e sempre se posicionou contra a posse das mesmas pois em momentos tenebrosos a falta de luz nos faz cogitar as piores ideias para solucionar problemas etéreos.
Lembre-se caro leitor que você está lendo um texto de um escritor com alma de artista, poeta. E como Fernando Pessoa confessou somos todos nós que pertencemos à essa estirpe de vira-latas, grandes mentirosos, e que mentimos com tamanho afinco que chegamos a acreditar nas inverdades que criamos. E é claro que brincando podemos dizer as mais duras verdades, como o bobo da corte que ao fazer graça para o Rei, o usa como alvo das piadas de forma que ele seja incapaz de perceber sua ironia e cinismo. Cabe a você leitor tentar fazer sentido do que lê e ao artista confundir.
Todos estamos sofrendo e o escritor em questão não possui nenhuma exclusividade sobre tal sentimento, contudo gosta de pensar que pode transformá-lo em algo belo como uma ostra que faz da areia que lhe incomoda lindas pérolas. Ou pode se sujeitar a criar frases prontas e pensamentos bregas como este de auto-ajuda para esconder que ao invés de dizer que entrega pérolas aos porcos ele é quem é um porco que usa pérolas dos outros para disfarçar a lama do pouco que pertence à sua autoria.
Antes do Minuano chegar para morrer na sua cidade trazendo o toque gélido do pólo sul que sempre carrega todo ano até aqui já lhe rondava os miasmas funestos dos fins dos tempos e Augusto dos Anjos em seus Versos Íntimos lhe fazia cada vez mais sentido. O país está afundado na desgraça, dividido, ferido e sangrando. Estamos testemunhando brasileiros dilacerando vidas e abrindo abismos sociais incalculáveis. O Homem é definitivamente o Lobo do Homem.
Porém sejamos sinceros em dizer que no caso deste pequeno burguês o que lhe incomodava mais era a falta da vida boêmia, de sair, de celebrar a noite, os excessos e a vida ébria. Era agora aquele já fora conhecido por cantar nas ruas de dia e tirar a camiseta nos bares de noite um animal enjaulado e acuado.
Ninguém merece viver na solitária.
E dominado então por este estado praticamente comatoso o banal escritor se lembrava das histórias de Sandman, de Neil Gaiman, onde o autor retrata um Morfeu, o senhor do Sonhar, que cuida de todos os detalhes dos sonhos da humanidade com servos próprios para facilitar cada aspecto dos sonhos de cada pessoa. Nestas histórias há um bibliotecário do mundo dos sonhos responsável por catalogar todas as obras de arte já feitas durante os sonhos e que jamais chegaram ao mundo desperto. E assim, com a preguiça corroendo a pobre alma do escritor ele fantasiava que ao menos no mundo do Sonhar estava ele a redigir grandes epopeias, contos e romances glamorosos e incríveis.
Quantas vezes fora dormir cheio de ideias que se perderam em meio ao reino onírico e jamais foram reavidas quando de lá retornou. O sonho era como tomar um gole das águas do rio Lete.
De olhos cerrados as Nornas descansavam e deixavam que os fios do destino do escritor corressem sabendo que o que se vivia ou criava no inconsciente pouco retornava para o mundo consciente.
Porém foi de tanto mergulhar e de mal voltar a si que preso entre os mundos durante dias de sono profundo e vigília semiconsciente que as Portas da Percepção se abriram e um novo escritor, este que agora lhes fala, surgiu.
Renovado, ainda marcado pela pressão dos tempos tétricos, entretanto com a arte novamente tornando-se a minha forma de lidar com o impossível como Picasso e sua Guernica, me reencontro com o poeta em mim para tomar as rédeas do que me resta ainda de vida para que as Moiras possam desenrolar grandes histórias e assim os meus escritos possam ecoar eternamente no universo virtual.
Peço desculpas a mim mesmo pelo hiato entre o último texto e este, todavia a escrita está em mim como o sangue a correr nas minhas veias de maneira que assim como é impossível desassociar a tinta do papel, a arte em mim é perpétua.
Não vou mais desperdiçar o meu tempo sem escrever.
Porque mais importante do que ter alguém que leia e compartilhe os meus pergaminhos digitais é a necessidade de parir o que em mim é gerado.
Sou um reflexo do mundo e sofro com ele e mesmo em seu pior momento não posso evitar de regurgitar versos e parágrafos, mesmo que eles sejam como o quadro de Dorian Gray que registram em si todos os pecados e dores do seu autor e da humanidade.
"O Homem que entre lobos sente inevitável necessidade de também ser Fera..."
A minha escrita sempre teve como objetivo me ajudar a lidar com o mundo nem que para isso tenha que destruir um pouco do mundo no processo.
Não quero ajudar ninguém, caro leitor. Quero é que você se destrua. E de suas ruínas surja um leitor melhor e mais crítico tanto quanto eu sou ao reler os meus textos.
Inspirando orgulho ou vergonha eles são meus, minhas belas aberrações que refletem o mundo tortuoso que em mim habita e que habito.
Deixemos os tentáculos anestesiantes da infelicidade para trás porque é isso que os imbecis querem.
Um mundo sem arte onde eles possam ser os únicos tecelões de ideias e palavras.
E eu me recuso a deixar esta tarefa para tão baixos seres.
Prefiro escrever e arcar com as consequências de pensar por mim mesmo ao cabresto intelectual de cultuar um mito que reduz seus seguidores a uma massa cega, surda e burra.
Sendo assim se preparem que pretendo ainda escrever muita bobagem gozando da liberdade que me é de direito e quem não gostar que volte à Caverna de Platão para ser esquecido na escuridão da ignorância.
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