quarta-feira, 3 de julho de 2024
ALEXANDRINA - A Grande - IN MEMORIAM
terça-feira, 2 de julho de 2024
ALEXANDRINA - A Grande - Considerações Finais
presume-se que a mulher na janela seja Alexandrina
Edwiga renomeada como Elvira morreu depois de um parto feito no meio do mato. Seu marido abria estradas de ferro e levava junto sua família para os confins do interior do país. Ela ficava a maior parte do tempo sozinha com as crianças e a mãe. Foi assim que Elvira deu à luz a um bebê e perdeu sua vida. A criança morreria de fome uma semana depois.
A mãe de Elvira, avó de Alexandrina, ao acolher o neto nos braços disse tristemente para que a filha morta levasse o filho junto porque naquele fim de mundo ninguém seria capaz de mantê-lo vivo. A mãe teve que enterrar a filha e o neto enquanto cuidava dos demais netos desamparados até o genro retornar e descobrir o que acontecera com sua família.
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A mãe de Elvira e outros membros da família não conseguiram suportar os sacrifícios que o inferno verde dos trópicos exigia e tentaram voltar para a Rússia. Sendo considerados traidores de sua terra pelo regime comunista eles acabaram por se estabelecer na Polônia. Os demais parentes de Alexandrina que permaneceram aqui continuaram a trocar cartas com a família além-mar por décadas.
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O irmão de Alexandrina, Luís Poss Filho, morreu aos dezoito anos enquanto trabalhava derrubando árvores. Luís foi esmagado por um tronco imenso que tombou sobre ele. Pai e filho deram suas vidas para abrir caminho ao progresso da era moderna do Brasil.
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O pai de Alexandrina que perdera a esposa e o filho enquanto abria caminho para os trens encontrara seu fim no dia treze de março. Elvira teria profetizado em um momento de predestinação, semelhante ao que Alexandrina experimentara na viagem, a data da morte do marido.
A cada ano que essa data passava o velho Luís Poss sabia que tinha mais um ano de vida já que realmente acreditava nas palavras proferidas por sua esposa até que enfim chegou sua hora. Luís prometera a Elvira que se caso ele a perdesse ele não se casaria novamente e manteve sua palavra morrendo viúvo no dia em que ela determinara.
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da esquerda para a direita o quarto homem é João Doscka Klimek
Alexandrina
casou-se com João Doscka Klimek, nascido
João mal parava em casa e quando ia embora deixava mais um filho dentro de Alexandrina. Certa vez em uma de suas visitas ao ver a situação precária da família teria aconselhado à esposa que ela e os filhos comessem pedra para saciar a fome demonstrando o desacordo em deixar uma mulher cuidar da casa e da terra.
Segundo Alexandrina este comentário demonstrava o desapreço do marido à sua capacidade de cuidar da casa, dos filhos e do plantio revelando sua posição contrária em relação a adquirir aquela propriedade e deixar que uma mulher ficasse responsável por ela. Ao retornar outra vez João se deparou com a fartura da horta regada ao sangue, suor e lágrimas de Alexandrina que se vingou das palavras do cônjuge lhe oferecendo um banquete.
Alexandrina criou e cuidou dos filhos sozinha. Um menino morreu um tempo depois de nascer e outro aos sete anos. João Klimek teve relacionamentos extraconjugais e seus filhos vivem espalhados pelo interior.
Ele fora descrito por Alexandrina como um homem ausente, frio com quem ela manteve um relacionamento sem convivência durante décadas pelo bem dos filhos. Assim que a última filha se casou Alexandrina imediatamente se separou de João pondo um fim ao casamento infeliz.
Mesmo sendo o divórcio algo tão contrário aos preceitos religiosos cristãos que Alexandrina acreditava, sua vida e liberdade estavam acima destas crenças e ela após aturar tanta coisa finalmente teve sua paz ao viver independentemente.
Ao menos João
deixou para Alexandrina a casa em Itararé onde ela viveu até o fim da vida. Alexandrina
faleceu em mil novecentos e noventa e oito morando sozinha e rezando o terço
todos os dias.
Alexandrina, seu filho Valdomiro e família
segunda-feira, 1 de julho de 2024
ALEXANDRINA - A Grande - Parte V
todas as fotos pertencem ao acervo de memórias de Alexandrina
as identidades dos indivíduos nelas retratados são desconhecidas
Como se as coisas não pudessem piorar, uma névoa surgiu obstruindo o horizonte e os ventos morreram por completo. Quando a noite veio a escuridão era profunda envolvendo todo o navio em um reino de mistério e magia com uma mortalha fúnebre sobre aquele imenso caixão flutuante. O ronco dos motores e as vozes abafadas do calabouço eram os únicos sons que cortavam o silêncio tirânico. O mundo dos sonhos estava mais próximo do que o normal e a ameaça do desconhecido espreitava sorrateira causando arrepios.
Perdida em devaneios Alexandrina foi acordada por um choro familiar. Eram gritos altos e fortes a plenos pulmões de criança de colo como se um lobo ou tigre branco estivesse pronto para atacar seu berço ou como se as águias gigantes que arrebatavam recém-nascidos das histórias que sua mãe lhe contava estivessem mesmo atrás de um bebê. Alexandrina assustada e ainda meio sonhando acordada seguiu o choro tateando seu caminho, sendo levada em transe para o convés escorregadio. Um passo em falso a faria desaparecer nas águas sem que alguém pudesse encontrá-la e nada além do seu anjo da guarda a protegia de uma tragédia.
A morte a tirara para dançar e a pequena sem saber do perigo que corria seguia cega para o abismo. Se ela sem querer não tivesse esbarrado no capitão que foi pego desprevenido pela menina que surgia do nada como conjurada no ar não há como saber se ela terminaria a sua viagem. Ela caiu sentada e desandou a chorar acordando de vez com o susto. Instintivamente o capitão apiedou-se da menina e se ajoelhou abraçando-a para acalmá-la e o toque de outro ser humano que por quarenta dias ela não sentia apaziguou sua mente.
O capitão sob efeito daquele marasmo tétrico estava ruminando a culpa de condenar os passageiros à sua própria sorte. Entre aqueles pobres coitados que fugiam de suas terras e os homens que o acompanhavam ele não hesitou em escolher por aqueles que confiavam em sua autoridade e obedeciam a suas ordens. A triste realidade era que dificilmente viagens como aquelas ocorriam sem baixas e ele estava calejado de tanto cruzar os oceanos vendo corpos que se tornavam comida para os tubarões que seguiam o navio devorando tudo que era a eles atirado. Poseidon raramente deixava de cobrar seu tributo.
Alexandrina tentou omitir sobre o que ouvira, mas ao ser encarada pelos olhos do velho lobo-do-mar a menina acabou confessando que ouvira o choro da irmã e a estava procurando. Assim que Alexandrina contou sobre o que acontecera o som de água sendo jogada para o alto com forte pressão ecoou na escuridão rendendo um susto e um momento de risadas descontroladas do homem e da menina pelo sobressalto inesperado. Uma baleia enorme e negra chegara para afastar os tubarões e escoltar aqueles infelizes para fora do reino de morte que se encontravam.
Era de conhecimento do capitão que uma das imigrantes estava escondendo o corpo da filha bebê recém-vítima do sarampo. A mulher não queria que jogassem a filha morta ao mar e por isso escondia a criança no colo a ninando como se ela estivesse dormindo. Porém ele não sabia que a menina que observava seus marinheiros trabalhando era irmã da falecida. O capitão fingira até então não saber sobre o ocultamento já que a quarentena estava para se encerrar e estavam para chegar ao destino final.
Com certeza
estes foram os quarenta dias mais duros da infância de Alexandrina que disse
para as filhas e netos que sua irmã teria sido enterrada em uma ilha deserta no
mar. Quem sabe uma Ilha Pirata? Mal sabia ela que aquilo na verdade era o
Brasil. Os navios com imigrantes muitas vezes nem chegavam a aportar
simplesmente desembarcando seus passageiros estrangeiros em barcos pequenos ao
invés de se dar o trabalho de manobrar para ancorar.