segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A Mordaça da Educação


Antes de falar, nós cantávamos. Cantávamos imitando o som da natureza, dos animais, da chuva, do trovão, encantados e envolvidos pela magia do mundo. Nas religiões foi apenas através do comando da palavra que foi possível Deus criar o universo e que o homem pode criar-se a si próprio ao ponto de criar um Deus para si que pudesse explicar através de evangelhos os ensinamentos de geração em geração sobre a sua própria origem. A fé se manifesta através da palavra, as pinturas na caverna são o abecedário da imaginação do homem primitivo. Damos poder aos que falam e o que está escrito torna-se lei. Somos unidos pela língua, podemos travar guerras ou lutar pela paz com a perspicácia da argumentação.

Ao nos apaixonarmos pedimos a mão de alguém, mas é através do som que fazemos isso. Seduzimos, nos apaixonamos, demonstramos os sentimentos: o nosso melhor e o nosso pior. E para que tudo isso ocorra é preciso uma ligação transcendental entre a boca e o ouvido. Não há sentido em falar se não for para ninguém ouvir. E não há alegria maior do que ser compreendido por um próximo que te escuta. Este é o reconhecimento máximo da comunicação.

No entanto cada vez que uma palavra migra de uma boca para um ouvido ao ser replicada por uma nova boca ela é transformada pois é amorfa e flexível para se moldar ao tipo de discurso de cada um. Logo, esperar ou exigir um único discurso das pessoas é censurar toda a humanidade. O meu papel é compreender que o aluno não se expressará como eu me expresso, mas que aquilo que foi dito por mim seja transmitido até ele para que ele possa tomar para si da maneira que ele achar melhor este conhecimento. A liberdade de conhecer é esta: fazemos o que quisermos com o conhecimento porque com ele podemos tudo. Sem ele estamos presos aos grilhões da ignorância. E reconhecer que há momentos que a formalidade exigirá um discurso padronizado não é desmerecer os demais discursos, é oferecer mais uma camada de possibilidade linguística a quem já se comunica.

E esta responsabilidade que é também um fardo que nós professores da língua possuímos é desconhecido dos demais profissionais da educação. Os pais e os que comandam as escolas muitas vezes mal conseguem conversar entre si, mas somos nós quem somos os condenados quando um aluno não se sente confortável em se abrir; já que temos a obrigação não só de passarmos o bastão do conhecimento da língua como também estabelecer um elo que faça o aluno ser capaz de se expressar e que ele seja confiante o bastante em si mesmo para não temer qualquer desafio e encare o mundo com sua voz desenvolvida. E dentro do possível conseguimos isso, mesmo que raramente, estabelecer uma conexão onde a língua se torna uma forma de se comunicar, trocar informações e manter um respeito mútuo - mesmo que para outros isto pareça o contrário.

A escola é um antro de pensamentos atrasados perpetuado pela tradição de subestimar os alunos, esta atitude que é partilhada muitas vezes pelos pais. Ninguém acredita que o aluno seja de fato capaz, porém querem que os enganemos para que eles pensem que são. Este é o paradoxo cruel da nossa profissão. A educação tradicional olha os alunos de cima, nós temos de olhá-los nos olhos.

Lutar contra uma educação retrógrada, conservadora, elitista e que cada vez mais tenta iludir os alunos com promessas de grandeza e opções de futuro onde só reside o vazio, o sofismo, a retórica barata, é cansativo e frustrante. Muitos são cooptados e acreditem na promessa de que as mudanças são para concretizar a frase que diz que "as crianças são o futuro" - contudo com base no que estamos vendo acontecer o nosso país continuará a ser um país ancorado no passado.

Um lugar onde o aluno vai para a escola porque os pais não podem e nem querem passar o dia com eles, onde o Estado prefere armazenar como gado os jovens para evitar problemas e onde os professores são os bobos da corte que os mantêm distraídos enquanto eles envelhecem o suficiente para trabalhar e pagar impostos. E os que quiserem honrar o seu diploma e realmente desejarem trabalhar serão aconselhados a repensar sua conduta já que não devemos mostrar os erros e a ruína da aprendizagem dos alunos e da degradação da relação entre pais e filhos.

Os professores são o band-aid que seguram a ferida exposta que é a educação no Brasil e nunca são ouvidos quando o assunto é melhorar a educação. Há algo muito errado nisso e uma hora não haverá mais como estancar essa chaga. A mordaça vai cair e a verdade virá à tona. 

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