quinta-feira, 27 de junho de 2024

ALEXANDRINA - A Grande - Parte III


Para se entreter Alexandrina tricotava conforme aprendera com sua mãe e auxiliava remendando as roupas dos passageiros e tripulação sendo paga por seus serviços com presentes como grampos de cabelo e outras quinquilharias que para aquela menina valiam mais que ouro. Os marinheiros ao verem o deslumbramento da menina diante de uma maçã, algo que ela nunca havia visto antes quem dirá provado, lhe deram como forma de pagamento uma destas frutas que ela ficou admirando por sua cor viva segurando-a em suas mãos uma infinitude de tempo antes de finalmente lhe cravar os dentes e provar o seu gosto. Suas primeiras recompensas e descobertas faziam-na sonhar com as possibilidades que a nova terra lhe prometia onde ela poderia enfim crescer, viver e conquistar o que quisesse.

O talento para a costura tornou-se sua profissão herdada por pelo menos uma de suas filhas. Na velhice Alexandrina fazia pequenos tapetes com sacos plásticos de leite que ela vendia e dava de presente para os familiares. A sua imaginação e habilidade com as mãos nunca a deixaram ser ociosa. E enquanto suas mãos empunhavam com maestria as agulhas ostentava um simpático sorriso no rosto.

Acostumando-se com a morosidade da viagem tudo estava indo relativamente bem para Alexandrina quando algo perturbou a frágil calmaria da viagem. Empilhadas no navio as pessoas eram forçadas a conviver muito próximas umas das outras com praticamente nenhuma privacidade. Esta situação forçada criava laços de fraternidade entre estranhos que eram obrigados a compartilhar o parco espaço, contudo a falta de isolamento os expunha a ameaças invisíveis que eles sequer suspeitavam. A condição de viagem não era das mais salubres e doenças eram comuns onde o lucro, não o conforto, era prioridade. Um mal repentino surgiu e rapidamente se alastrou. Febre, tosse, feridas, sangue.

 Em uma semana veio a primeira morte. Não havia como saber quantos passageiros haviam sido contaminados. O número de mortos começou a crescer. Os velhos, os doentes e as crianças eram as principais vítimas. Os marinheiros que se mantinham saudáveis por não confraternizarem com os passageiros tendo seu dormitório separado seguiram a contragosto a ordem do capitão de trancafiar todos os passageiros em quarentena nos porões. O líder do navio sabia que nenhum porto os aceitaria se soubessem que as pessoas a bordo carregavam o signo da morte e segundo seu aprendizado era preciso esperar a maldição expurgar quem tivesse que morrer para que os sobreviventes pudessem chegar ao fim da viagem.

Alexandrina não entendeu a razão de toda a sua família ter que ficar no frio, escuro e feio porão do navio. Os gritos de dor, os pedidos de socorro, o suplício de adultos e crianças, sepultados nas entranhas da nau ecoavam abaixo de maneira sinistra como uma sinfonia dantesca. Sua mãe antes de ser escoltada com o resto dos passageiros para a masmorra entregou para a filha um terço rogando a ela para que rezasse enquanto estivesse sozinha pela salvação de todos e a menina por toda a vida cumpriu esta promessa à mãe, Edwiga, rezando diariamente durante toda a sua vida.

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