quinta-feira, 2 de novembro de 2023

DEPETRIS - Das Pedras à Pedra que o Rio Cavou - VISAGES - Capítulo I

Sebastião e seu companheiro de estrada, Loir “Cruche” Santos, posando com caminhão Ford, na R. São Pedro em Itararé em frente ao estúdio de fotografia de Gustavo Jansson na década de 50.

***

Começo agora a compartilhar os textos que resumem as entrevistas que fiz com o meu avô Sebastião há vinte anos para tentar registrar minimamente a sua biografia.
Como este ano infelizmente ele faleceu em julho, volto a estes textos de décadas para finalizá-los e oferecê-los como homenagem.
***
DEPETRIS
Das Pedras à Pedra que o Rio Cavou
***
VISAGES - Capítulo I

Lembro-me bem desses momentos com meu avô: da magia de criança se misturando com o encantamento da noite, da chuva, das histórias. Nas noites tempestuosas do meu mundo distante de criança quando a natureza unia o que a rotina havia separado nos libertando da hipnose da TV – cresci acostumado com cada um da família ficando em seu quarto isolado sem interagir uns com os outros, exceto nas refeições – devido às quedas de energia comuns com as chuvas torrenciais de repente a casa virava numa correria para encontrar uma vela e espantar a escuridão.

A gente se reunia na copa, ao redor da grande mesa de jantar, para conversarmos como os contadores de histórias ancestrais ao redor do fogo noite adentro. Eu criança imaginava tudo que me era contado com o melhor que o palco da minha mente conseguia produzir. Éramos então novamente uma família.

Assim, com as sombras bruxuleantes dançando pelas paredes, o tempo e o espaço ganhavam novos significados. E cedo ou tarde por insistência minha e de minha mãe as conversas acabavam por se transformar em pedidos para que meu avô visitasse suas memórias e as compartilhasse conosco uma vez mais. Meu avô se fazendo de constrangido como se lhe incomodasse rememorar tais episódios supostamente traumáticos, mas com claro contentamento de ter suas histórias de velho sábio valorizadas, depois de teatralmente hesitar um pouco, enfim começava a dramaticamente nos contar suas histórias de “visages”. Contos e causos que em sua maioria já conhecíamos, mas sempre nos surpreendiam cada vez que eram repetidos por seu caráter insólito e narrativa envolvente.

O talento em tecer histórias teria sido herdado segundo contam de sua mãe Delfina que era boa de prosa e foi quem contou a meu avô muitas das histórias que ele reproduzia. O medo do sobrenatural que meu avô ostentava, logo ele um homem que se dizia corajoso forjado pelo suor do trabalho e da vida na boleia, teria sido despertado em sua infância repleta de casos assombrosos. Sua mãe e sua avó e alguns de seus irmãos e irmãs colecionavam histórias de como coisas inexplicáveis costumavam ocorrer na presença deles. O desconhecido corria em suas veias.
***

 

Nenhum comentário: