quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

João e Maria


Ela despertou vagarosamente... Seus cílios longos se desentrelaçaram e deixaram a luz entrar em sua íris castanha cor de mel. Mas ao abrir os olhos a menina demorou a entender o que estava acontecendo. Era como se sua alma tivesse fugido para um lugar muito longe e ainda não tivesse voltado em tempo de compreender o mundo ao seu redor. Tudo estava escuro e ameaçador como um sonho ainda, um sonho ruim. Assustada ela ouviu o ressonar de seu irmão, aquele barulho que acostumara a ouvir desde o útero de sua mãe e encontrou seu irmão deitado a seu lado, dormindo profundamente, imóvel. Ela engatinha até ele e coloca a cabeça sobre seu peito para ouvir seu coração. Ao fazer isso seus cabelos caem sobre o rosto dele e o cheiro doce dela o acorda com um sorriso. 

Ele a abraça e ela se deita sobre ele, confortável como um passarinho em seu ninho. Ele ri debochando dela. Ela lhe empurra de volta e olha ao redor, emburrada e também assustada. Eles conversam sem precisar falar, são íntimos, são um só.

Ele tenta lembrar o que aconteceu, sua cabeça dói e sua boca tem um gosto ruim. Ela também diz que se sente mal.. Os dois riem, mas não conseguem lembrar de muita coisa, só que eles estavam com seus pais em um piquenique...

Um relâmpago corta o céu e ilumina os dois em meio à clareira da floresta, o trovão faz ela gritar e ele pede para ela fazer silêncio - shhh... Começa a ventar e eles se dão conta que mais importante do que lembrar o que se passou é eles se preparem para o que está vindo. A brisa fria carrega o cheiro de chuva. Ele a abraça, ela treme um pouco pelo frio, um pouco pelo medo e um pouco pelo calor do corpo de seu irmão contra o seu que a faz se sentir melhor e a faz queimar também. Ele sempre foi o seu abrigo, aquele com quem ela sempre pode contar.

De mãos dadas ele a guia mata adentro para tentar encontrar algum lugar para se esconderem. Esta não era a primeira vez que eles ficavam sozinhos na floresta. Eles adoravam dar umas escapadas de tarde enquanto sua mãe estava ocupada com as tarefas de casa e seu pai no campo. Os dois iam até o riacho nadarem nus e comerem maçãs selvagens. Livres e sem pecados como crianças no paraíso. 

Entretanto desta vez era diferente. Eles nunca estiverem fora de casa após o pôr do sol e muito menos estiveram perdidos como agora. Sua mãe sempre ameaçava colocá-los de castigo por essas escapadas; no começo, com medo de não encontrar o caminho de volta, eles fizeram uma trilha com pedaços de pão e ao retornar descobriram que os pássaros tinham comido todos os pedaços e mesmo assim conseguiram encontrar o caminho de volta.

Eles não entendiam a razão de sua mãe ficar tão incomodada com eles por fugirem daquele jeito, mas a cada dia a menina se tornava mais mulher e a juventude nela desabrochava como uma bela flor rara. Até seu marido começava a olhar a menina de uma forma diferente, demorando com o canto dos olhos nas pernas dela, vendo o vento brincar de levantar seu vestido, acostumando-a a sentar no seu colo quando não mais convinha tratá-la como criancinha.

A chuva começava a cair com pingos pesados que estralavam nas folhas, o céu estava prestes a desabar. A roupa molhada colava no corpo e denunciavam as curvas do corpo dela e os músculos do dele. Se abraçaram ainda mais forte e correntes elétricas estalaram quando seus corpos se tocaram, algo dentro deles, uma ansiedade crescia. Quando todas as esperanças pareciam se esgotar eis que eles avistam uma cabana lhes convidando a entrar e se proteger da chuva.

Eles correm para entrar e a porta felizmente estava aberta. O primeiro golpe de sorte desde que acordaram e ali, seguros, começaram a descansar a mente e a se deixar levar pelo calor que crescia sob a pele. Ele ascendeu a lareira com a lenha que havia ali e com um pouco do óleo que restava em um lampião velho. Usando pedras criou faíscas que lamberam o líquido inflamável e consumiram de uma vez a madeira lhes aquecendo. As roupas ensopadas precisavam ser retiradas e deitados, nus, no chão sobre pedaços de couro que ele encontrara ali se abraçaram uma vez mais, mas dessa vez seus corpos não conseguiram impedir o desejo que lhes consumia.

Beijos desesperados, soluços sôfregos, gemidos abafados, a resistência esquálida, abrindo o corpo, entrando, ligando um ao outro, os dois sentiam-se como um só e agora eram, mesmo que ninguém pudesse compreender este sentimento. Suaram enquanto a tempestade do século desabava. Geou e eles ainda estavam ruborizados, cansados, exaustos, satisfeitos. Lambuzados um do outro, gozavam o sono dos justos com um gosto doce do pecado inocente na boca.

E assim, ao menos naquele instante, não importava mais que seus pais tivessem os enganado com um piquenique para abandoná-los. Estavam juntos, eram amados e seus corpos haviam experimentado o êxtase que só a entrega total pode conceber.