terça-feira, 13 de setembro de 2016


"Ai de mim! Ai pobre de mim!
Que pergunto a Deus para entender.
Que crime cometi contra Vós?
Pois se nasci, entendo já o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor.
Pois o crime maior do homem é ter nascido!
Para maiores cuidados, só queria saber que crime cometi contra Vós, além do crime de nascer.
Não nasceram outros também?
Pois se outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei?
[...] Nasce um peixe, aborto de ovas e lodo, enfeita um barco de escamas sobre as ondas.
Ele gira, gira por toda a parte, exibindo a imensa liberdade que lhe dá um coração frio!
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?"

Monólogo de Segismundo - La vida en sueño, ato I, cena I (Pedro Calderón de la Barca, 1601/1681) 

Mensagem em uma Garrafa

O mar é o berço da vida e também seu cemitério
O navegante que enterra o amigo sabe sobre este mistério
Do porto os amores esperam o retorno dos amados
Todos os rios correm para o mesmo lado

Da espuma nasceu Afrodite, o amor se fez do nado
Das profundezas se escondem segredos nunca antes revelados
Só quem se arrisca a desvendar sabe o que ninguém jamais soube
Cada alma que se aventura pode sofrer um naufrágio

Por isso navego sem remos, sem velas, sem barco
Deixo-me a seu critério, do vento, da tempestade, ao seu sabor
Me entrego como oferenda, me presenteio como uma mensagem

De amor, de entrega, de convite para unirmos nossos oceanos
Nossos mundos são ilhas que formam o nosso continente consciente
Retornamos à Pangéia, nós do Paraíso Perdido, em ti, reencontrado

  Ao reler hoje o trecho do Monólogo de Segismundo creio poder responder ao menos uma pergunta dos inquietantes anseios nele tão poeticamente expostos: escolher não é ter menos liberdade, é ser completamente livre. Um abraço não é uma prisão, é a liberdade plena. Aquele que não está nos braços de alguém é como o peixe, livre e perdido. Já quem escolhe conhece um novo mundo.

  Claro que há quem prefira como Fagner "ser um peixe", mas eu preferi lançar o meu coração e desvendar terras nunca antes conhecidas. E lá fixei morada. Não sou e nem quero ser exemplo para ninguém ou ditar regras. Cada alma que navegue por si, porque eu já encontrei o que procurava.

  E o nome desse alguém é Marjory.

  Muito obrigado por tudo meu amor.

***

  Este monólogo é interpretado por Dan Stulbach no filme Tempos de Paz que é uma adaptação de uma peça de teatro chamada Novas Diretrizes em Tempos de Paz que já foi comentado aqui neste blog há muito tempo atrás. Filme recomendadíssimo.