quarta-feira, 25 de junho de 2008

Valdecir Ravazi


Nosso amor morreu
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Ela disse:
“Mal o nosso amor morreu, e seu coração já arrumou outros!”
Então respondi:
Meu coração não arrumou nada.
Estes amores aqui, apenas vieram para o enterro,
Daquele que morreu.
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Os Amantes
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Eles chegaram de mãos dadas,
sem identidade e com um destino certo.
Por alguns instantes ela foi à musa e ele o poeta
Naquele divã um sonho se efetivou e
seus papeis foram bem interpretados.
Eles se esqueceram do passado e da nova vida
que iria começar, só pensaram no presente.
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Abraçaram-se sentindo o calor um do outro.
Ele a tocou, deixando-a afoita.
Os carinhos nasceram e aos poucos aumentaram.
Colheram flores e as beijaram.
Bem me quer e mal não quer,
enunciaram seus lábios encostando-se.
Despiram-se.
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E a lua recatou-se,
fechou os olhos para não ver o que estava acontecendo.
Os namorados, no estremecer dos corpos,
mataram o desejo dos corações apaixonados.
E no cair daquela noite silenciosa,
os gemidos e os sussurros acabaram surgindo.
O amor aconteceu naturalmente.
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As pessoas que por ali passaram se horrorizaram,
mas os amantes riram com tal presente magnífico.
A ninfa virou uma deusa e a paz reinou no colo amado.
O suor molhou seus corpos quentes
e no calor daquela noite cega eles descansaram.
O nu foi coberto pelos abraços.
A vida veio trilhar de novo e o destino se cumpriu.
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Como havia pouca luz eles não me viram.
Só viram um céu sem estrelas, pedras removidas da calçada e a fonte,
que também estava descansando.
Os amantes foram embora e o palco das emoções ficou solitário.
O fantástico acabou e os montes sumiram na escuridão
Só ficaram o perfume das flores vivas no jardim e
o choro das flores esmagadas no chão.
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Esses são dois poemas de Valdecir Ravazi, escritor de Tupã que assim como Duran, conheci através do Mapa Cultural. Contista e poeta, Valdecir tem um olhar muito agradável ao escrever e falar sobre o cotidiano, com a perspicácia de um cronista. Sua poesia vai além e mostra uma delicadeza e sensibilidade agudas, um ar de riso e de lirismo invade os versos e marca os poemas, tanto quanto a sua visão singular transparece na prosa. Escritor e amigo com seu jeito próprio, que eu tenho imenso prazer em apresentar para aqueles que se aventuram a ler o que aqui posto. O Valdecir ainda vai ser visto mais vezes por aqui, com certeza.

terça-feira, 17 de junho de 2008

SONATA


Sonata
...baseado em fantasias reais...
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Prelúdio
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Ela, sem objeção alguma, sem perguntas, permitiu ser vendada por ele. E carinhosamente ele cobriu aqueles belos olhos rasgados com uma venda de seda negra. Os olhos que apenas em fitá-lo excitavam-lhe porque traduziam, sem a necessidade de palavras, quando ela estava molhada de tesão, esperando por ele. E que o olhavam pedindo por ele nas situações mais improváveis, o que o surpreendia e encantava. Ele encontrara a mulher perfeita, uma cadela de cio interminável que o satisfazia à exaustão. Rodaram pela noite fria, pelas ruas e avenidas labirínticas até ela perder o sentido de tempo e direção. Não perguntou nada durante o trajeto, obedientemente rebelde. Uma oportunidade dela para mostrar quem estava no controle. Seu silêncio o incomodaria mais; ela não vestia qualquer personagem para agradá-lo, porque o que ele mais gostava nela era seu tom desafiador, subversivo e indecente de ser. E ela gostava de se comportar assim, para ao mesmo tempo desafiá-lo a domá-la e para dizer que só ele era capaz disso. Enfim estacionaram. Silêncio absoluto. Nem parecia que ainda estavam na cidade. Não havia nada que pudesse denunciar sua localização ou o que ele pretendia. Sempre sendo conduzida pelas mãos, ela sentia o frio e a umidade da noite tocando sua pele, arrepiando os pêlos. Ele a encostou contra a parede e começou a acariciar seu sexo. Deveriam estar em algum beco, em algum canto escuro e esquecido. Beijava-a com sede enquanto seus dedos, por baixo do vestido que ela usava sem calcinha, a pedido dele, se escondiam dentro do calor do seu corpo. Suas intenções eram as piores possíveis e ela gostava disso. Excitava-se ao correr riscos. Ao sentir os dedos molharem, ele parou abruptamente; ela sabia que ele sorria aquele sorriso perverso. Ao menos ele permitiu a ela a oportunidade de experimentar a própria libido que começava a escorrer por entre as coxas. Ela não deixou por menos e, aceitando o convite para o jogo de sedução, lambeu languidamente os dedos dele, gemendo baixo. A língua viva e quente o incitava a deixá-la experimentar algo mais que seus dedos. Eles adoravam se provocar. Principalmente quando havia alguma chance de serem surpreendidos no meio das carícias. Mas não estavam ali para isso e ele não lhe daria esse gosto. Não ainda.
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O Teatro
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Saíram de onde estavam e entraram por uma pesada porta enferrujada fechada à corrente, que ele abriu com o cuidado de um invasor. Seguiram e de repente, uma breve pausa na caminhada ligeira; ele pediu a ela, sussurrando em seu ouvido, que o acompanhasse mais furtivamente dali em diante. Retirou o par de saltos dela e continuaram. Os pés sentiram o carpete macio.
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“Onde ele estaria me levando?”
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Abafado pelas paredes e passagens das coxias e camarins, uma música ganhava forma na melodia delicada que se insinuava à medida que eles se aproximavam, até que ela não sentiu mais a proximidade das paredes ao seu redor. A acústica do teatro reverberava cada nota tocada pelos dedos hábeis, distribuindo a sinfonia igualmente por todos os cantos. Ela imediatamente parou, hipnotizada. Ora cristalinos, ora graves, os sons compunham uma dança de luz e trevas que a entorpecera. Ela poderia ficar ali, eternamente, embalada pela música do piano, sem ver, somente sendo alimentada pelos ouvidos, sem coragem de se aproximar, sem coragem de se afastar. Ele, que não contava com essa reação, a tirou do transe com um sacudir brusco. Por um instante, todo o trabalho que ele teve para satisfazê-la foi ameaçado por uma ação impensada. Não havia como disfarçar a raiva momentânea que se apoderou dela, por ele tê-la privado do êxtase que experimentava. E o ódio da ameaça de ter seu plano desfeito por uma armadilha da sensibilidade feminina, também o irritou, quase o cegando. Sem precisar de explicação, como verdadeiros cúmplices, ele não precisou dizer que não poderiam discutir ou denunciar sua presença: eram intrusos e não podiam ser expostos. Porém ele sabia como desfazer o embaraço, e com um beijo profundo e longo, resgatou a verdade deles, de estarem juntos, da paixão que os transformava em animais. Ela tremia em seus braços, pois por mais que conhecesse seu homem, sabia que ele havia preparado algo realmente grande dessa vez, e a expectativa a deixava nervosa e ansiosa. A espontaneidade inata dele, escondia sua capacidade maquiavélica de planejar. Aliando seu comportamento com sua ousadia, podia-se dizer que ele era capaz de tudo.
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O Pianista
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Salvos de si mesmos, ele a conduziu por entre as sombras das poltronas da platéia, ela sempre vendada, a luz opaca mais próxima. O piano soava mais perto, capaz de dominar tanto quanto a flauta de um encantador de serpentes. Quando estavam ao lado do palco, somente um holofote de luz baixa iluminava o homem de óculos escuros e fraque. Os dedos interromperam o balé sobre o marfim e o ônix. A respiração ficou suspensa. O pianista suspirou, como se recobrasse as forças para concluir uma tarefa incômoda e penosa, afugentando fantasmas. Apagou o cigarro no cinzeiro de prata acima do piano e acendeu outro. Tateou com a mão direita ao lado de sua banqueta, procurando uma garrafa de vinho tinto já pela metade e se serviu dele. A música voltou a falar por ele. Por um segundo, ela pensou que seriam pegos, que finalmente a brincadeira de se exibir iria deixar de ser divertida para tornar-se um pesadelo. Ela, então, entendeu de uma só vez o que ele pretendia. Na intimidade da cama, certa vez confessou que tinha a fantasia de ser currada sobre um piano, ao som de alguma bela sonata, para convulsionar de orgasmo no ápice da composição, tendo os gritos abafados por beijos esfomeados, que mastigam os lábios e misturam o sangue à saliva. Entretanto, ela nunca imaginou que pudesse realizar esse sonho. Revelou o segredo porque sabia que isso o excitaria. Seu fetiche com o piano de cauda devia-se a seu primeiro namorado e primeiro homem, que tocava piano e que com ela estreou o gozo. Toda fantasia corre o risco de deixar de ser lírica, ao passar do onírico ao real. A tragédia de qualquer utopia. Quanto mais as sexuais.
Aquele medo contemplativo de antes, retornou mais profundo e sólido, misturado com uma sensação absurda de prazer que a tomou sem pedir permissão. Ela percebeu que não havia como voltar atrás. Estavam a ponto de tentar a maior ousadia que já foram capazes; todos têm limites e os de ambos seriam testados aquela noite. O que sobrasse após, estava fadado a ser sublime ou uma ruína. E sem alternativa, ela se entregou aos instintos, em febre, calando a razão e o medo.
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Interlúdio
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Ele deu-lhe a mão para ela beijar e os dedos para sugar, para calá-la, para silenciar os murmúrios de sofrimento da tortura que ele estava prestes a aplicar. Ele a deitou e mergulhou o rosto nas pernas trêmulas, sua língua a abrir caminho pelas pétalas rubras, em fogo. Ela sempre se molhava facilmente, assim como bastava um olhar ou mesmo uma brisa que convidasse os cachos vermelhos dela para dançar, para fazê-lo perder a cabeça. Porém, os dois estavam perplexos de como a situação os estimulava. Um dedo, procurando o calor e a umidade para acariciá-la onde ela era mais sensível, dois, três dedos e a língua, todos a serviço da mais cruel das torturas. Ela cravava os dentes na mão dele, para afogar os soluços que brotavam do seu ventre e respondiam pela garganta se espalhando pelo corpo inteiro, implorando pelo outro corpo para alimentar a sua necessidade de sexo. As unhas afiadas, aceradas e vermelhas como seus cabelos, seguravam firmes os cabelos dele; uma forma de tentar retribuir e controlar o tesão, o gozo, o orgasmo. Tantos tentaram fazê-la gozar sem invadi-la, sem sucesso, impacientes amantes que apenas queriam foder e voltar sozinhos para casa, mais leves. Até ele se arriscar. Sem pressa, ele descobriu onde e como ela gostava mais, e ao invés de se impacientar com a escalada da progressão do orgasmo, ele se excitava exatamente com a demora. Com o poder de torturá-la longamente, prolongando o quanto pudesse o tempo que ela precisava para o rio de fogo que escorria por suas pernas abrir-se e inundar sua boca, seu rosto, sua barba. O cheiro do sexo excitado, vermelho e ferido pela barba, era uma fragrância afrodisíaca que os enlouquecia. Entretanto, como não teriam tempo para se devorar pela noite adentro, ele a deixou a beira do precipício de aniquilação e parou. Ela, espumante, pedia clemência, seu rosto contorcido como uma viciada que rasteja por mais um pouco de sua droga. Ela avançou em um bote rápido procurando livrar a roupa que separava o membro dele da boca dela. Ele não poderia se defender do beijo, paraíso osculante que só ela sabia dar. Por isso antes que ela alcançasse o que desejava, ele segurou suas mãos com força e a ajudou a levantar-se dizendo no fundo do seu ouvido:
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“_A gente só termina isso se for no piano, como você disse que queria.”
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Ao Piano
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Acobertados pela música que crescia em sua magnitude e potência, puderam, ele e ela, subir os degraus e se aproximarem no escuro até o piano e seu pianista. E ela se viu livre subitamente de sua venda e entre a luz e a escuridão, contemplou a figura solitária sentada à frente do piano de cauda negro e lustroso. Seu rosto era o de alguém que sofre em silêncio, angustiado, sutil e sereno. Como quem espera algo especial que o distraia de seu próprio enfado do talento, degustando alguma ferida antiga. Não se podia ler em sua expressão nenhum resquício que revelasse o que se passava em seus pensamentos, um enigma. As janelas de sua alma estavam hermeticamente fechadas. O cabelo desalinhado contrastava com a bela indumentária; o vaidoso músico, mesmo ensaiando sozinho no teatro antigo em reforma, gostava de ostentar boa aparência. E os ignorava, cego. Ela percebeu a ardilosa artimanha do seu homem para conseguir realizar a sua fantasia. Ele havia se superado, sem sombra de dúvida. Ele a beijou e a colocou inclinada na borda da cauda do piano e levantou o seu vestido. Suas mãos firmes agarraram seu quadril, fazendo com que ficasse totalmente empinada. Gostava de vê-la sem o olhar pernicioso de quem está no controle da situação. Ela, sem emitir som, pronunciou para ele ler em seus lábios o pedido:
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“_Me fode...”
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Ele lhe deu um tapa no rosto, de leve, e fez da venda uma mordaça para ela. Entrou com gosto, fundo, dentro dela, que gemeu de satisfação. Mesmo com a mordaça, um vestígio de gemido escapou e se misturou à música. Como era belo o seu rosto ao ser comida: em seu semblante mil mulheres se mostravam. Desde a puta que gostava de levar tapas e provocar, à menina-mulher que sofria, como sofreu desde o primeiro instante com o pianista, de prazer. Nenhum homem ficaria imune à visão dela, fêmea bela e profana, sofrendo a delícia indecente de se mostrar e amar, em conluio corajoso e sem-vergonha. Sem culpa de ser boa.
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Revelação
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Quando a cavalgada se encaminhava para o fim que toda cavalgada como aquela termina, de orgasmo, júbilo e derrota, ele vacilou. Afastou-se, como se tivesse asco, como se não suportasse mais. Ela não entendeu, até mirar o pianista. A música, que no calor dos movimentos ela não reparava mais, estava mais simples, ainda extremamente bela, mas sua composição havia se tornado tão minimalista que só se o músico estivesse tocando com uma mão apenas ele conseguiria aquele efeito. E seu rosto, retraído, como quem sofre de uma angústia enorme, respondeu o porquê seu homem hesitara: a sua armadilha lhe enganara, o pianista não era cego. Ela percebeu no rosto do seu amante que ele sabia e que firmara um acordo para colocá-la naquela situação para realizar sua fantasia, para vencer esse desafio e chegar ao limite do exibicionismo. Ela jamais aceitaria se ele tivesse proposto antes que se mostrarem para um voyeur, pensava ele. Então, ele tentou realizar a fantasia dele, sob o pretexto de realizar a dela, e agora que havia ultrapassado o limite, via que não seria capaz de realizar seus intentos. Qual não foi a decepção dele ao perceber que ainda havia convenções em seu coração até então despudorado. Convenção não, ciúme. O pianista, por sua vez, também foi surpreendido. O que ele queria era estar ali e ser completamente ignorado. Esse era o trato: deveria enredá-los em sua música sem interromper ou se intrometer. Assistiria a sua música personificada na paixão do casal à sua frente. Testemunhar, esse era o seu papel a que tinha direito. Nem mais nem menos. Mas resistir àquela mulher era impossível. O namorado desviou o olhar, não podendo encarar a própria mulher. O pianista fez menção de fugir. E ela, brasa ardente, sedenta e esfomeada, provocantemente provocada, indecentemente deliciosa, ainda esperava para ser satisfeita. Ela estava tomada por uma súcubo que queria ser possuída. Sentia-se traída e irada pela desconfiança e por ter sido subestimada pelo próprio companheiro. Mal sabia ele que ela era mais desavergonhada do que ele sequer poderia imaginar. E ela faria com que ele aprendesse isso, da pior forma possível.
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Vingança
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Servir a dois homens, para a mulher, é ser escrava erótica. Diferentemente da supremacia da fantasia masculina de ter duas mulheres para satisfazê-los. O anseio de quebrar todas as correntes e afogar aqueles dois homens no fundo do poço, que em segredo a enganaram para satisfazer suas taras secretas, era maior do que o seu amor-próprio. Levada pelo instinto de vingança de mulher magoada, ela deu início ao ménage à trois. Sem permitir que o pianista fugisse, o hipnotizando com os seus olhos de feitiço serpentário, da mesma forma que a música a hipnotizara, ela se aproximou dele, apagou o cigarro e o beijou longamente, dando-lhe um banho de saliva. Ajoelhou-se a sua frente, bebeu o resto do vinho para não hesitar e fervorosa em sua prece, engoliu o pianista que, desacreditado, experimentava o desgosto de estar em uma situação que ele não esperava e não queria, e a surpresa de estar adorando isso.
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“_Vladimir, meu nome é Vladimir...”
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Ela não se conteve ao ver aquele sacana tão vulnerável, ela não perguntara nem queria saber o nome dele. Eles nunca teriam intimidade, esperava nunca mais vê-lo depois de terminar o que precisava ser terminado. Talvez tenha sido o sorriso de vitória sedutora em dominar os dominadores, de puta mesmo, que ela fazia nessas situações. O que importa é que, subitamente, ao ver aquela cena, o namorado que deveria achá-la grotesca, excitou-se de forma bizarra. Descobriu-se mais excitado do que outrora, o que parecia impossível. Lembrou-se de onde foi buscar o comparsa, o tarado para realizar seu exibicionismo imbecil; dos comentários doentios de seus amigos ao indicarem-no; de todo o trabalho e espera para poder ser visto fodendo a sua linda mulher, despertando desejo de um desconhecido. A sensação infantil de fazer com a sua mulher o que outro nunca poderia, de jogar na cara do desconhecido o quanto se amavam e como trepavam gostoso. Sentiu nojo de si mesmo, e masturbando-se, aproximou-se mendigando atenção à própria mulher. Ao ver o namorado derrotado, vencido e humilhado pelo desejo que com certeza ele execrava estar sentindo, ela sentiu-se vingada, embora o seu sucesso tivesse um terrível amargor. Sádica, libertou Vladimir de seu beijo para sentar em seu colo, sentindo-o enterrando-se ao máximo em seu corpo. Pegou suas mãos e as colocou em seu quadril para agarrá-la firme e forte, como o seu namorado gostava de fazer. Vestiu a máscara dominadora, embora quisesse mesmo era chorar. Os três estavam excitados e frustrados, porque haviam perdido o controle e sabiam que assim que acabassem e o frenesi terminasse, se sentiriam culpados por só terem gozado pela necessidade de se humilharem mutuamente. Rebolando em cima do pianista e chupando o namorado, eles ficaram, gemendo, se envenenando, sem coragem de sequer trocar um só olhar. Reféns dos seus corpos, até todos, ao ritmo que ela comandava, se destruírem no maior orgasmo de suas vidas.
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Último Ato
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Quais as palavras para se dizer quando se cai do paraíso para as profundezas do inferno? O pianista se encostou ao piano, com os cotovelos sobre as teclas provocando um barulho quase insuportável. O silêncio quebrado, todavia, era ainda mais insuportável. Ela se limpou rapidamente e sem dizer uma palavra, apenas com um único olhar de adeus para o seu homem, que não era mais seu, despediu-se e foi correndo para fora, lembrando de como chegara até ali. Assim que alcançou a rua, pegou um táxi e voltou para o seu apartamento, chorando copiosamente. O namorado, sem ter coragem para impedi-la, vestiu-se e, deixado a sós com Vladimir, sentiu toda a culpa, raiva, nojo, vergonha, remorso e ódio personificados naquela figura patética que precisava da paixão alheia para conspurcá-la e desse modo, satisfazer-se. Vendo a reação do homem à sua frente, Vladimir ainda tentou se explicar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, o outro pegou a garrafa de vinho e a arrebentou contra a sua cabeça e, sem defesa, desmaiou esvaindo-se em sangue. Com as pontas afiadas da garrafa quebrada, perfurou várias vezes Vladimir, como que se com cada punhalada, ele pudesse ferir um inimigo que na verdade era ele próprio. Passado o instante de fúria, sem saber o que fazer, vendo as manchas de porra no maldito piano, abriu-o e jogou o seu pianista para o útero de seu instrumento. Seriam um na morte; orgulhou-se da poesia que estava para realizar, fazendo do piano o esquife para o pianista. Empurrou o piano que caiu do palco com a sua tampa da caixa acústica selada contra o chão. Com o isqueiro de Vladimir, acendeu a pira que consumiria o instrumento e seu mestre, desaparecendo nas ruas com o seu carro logo em seguida.
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Ela chegou em casa, nauseada. Despiu-se com nojo do corpo e tomou um banho demorado. Dormiu na banheira, parcialmente imersa na água quente, quando as lágrimas secaram. Acordou no meio da noite, com ânsia, vomitando. Pesadelos acordados e sonhando.
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Ele saiu com o carro, no meio da chuva que começou a cair e entre tentar ligar para o telefone do apartamento dela que ela deixara fora do gancho, do celular, e dirigir, atingiu em cheio o concreto do viaduto caindo com o automóvel de ponta-cabeça na rua abaixo. Preso pelo cinto, desacordado, não conseguiu sair a tempo do meio das ferragens, sendo carbonizado vivo.
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O incêndio criminoso que cremou o pianista vivo foi vencido pela tempestade, sem maiores danos ao teatro. Três meses depois, a orquestra da cidade fez uma bela apresentação com o repertório do músico, em homenagem.
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POSTADO POR E AGORA JOSÉ?