segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Crônica: A SOLENIDADE DO CORPO



A SOLENIDADE DO CORPO
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Não há como saber qual será o fim, mas no início, todos começam do mesmo modo. Através dos olhos, um olhar. Atrás de uma máscara de indiferença, de um fitar perdido, de inocência, há o interesse, quem sabe até um sorriso, um rubor na face. O convite para o flerte começa na visão, é com a íris que primeiramente desejamos. Então se encontramos o jogador certo, o jogo começa. A conversa, dança de palavras carregadas de segundas intenções. O corpo fala também revelando a verdade óbvia e oculta: leves roçares inconscientes, sorrisos maliciosos e provocações. Talvez a noite acabe mais cedo, mas aqueles que se arriscam esperam encontrar a umidade de uma boca prestativa, com uma língua sedenta para acariciar trocando gemidos, hálito, saliva, mordidas e prazer. Cada pessoa beija ao seu modo, cada boca é única e cada beijo demonstra o sentimento do outro. Inflamado de paixão, devagar e guloso, lento e tímido com olhares e unhas cravadas nos braços, carinhoso acompanhado com cafuné, beijo que escapa da boca e passeia pelo rosto chegando até o ouvido causando arrepios...
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As crianças experimentam o mundo pelo paladar, os adultos, experimentam-se do mesmo jeito. Porque é com um beijo que descobrimos se a outra alma cabe na nossa, se ela sabe a nossa melodia, não importando quando tempo esperemos que dure a valsa, uma noite ou a vida inteira, sem um beijo que abale as fundações e excite, nada pode acontecer. Depois do beijo, há mil e uma maneiras de se caminhar até o fim que todos no fundo querem ter. Alguns precisam ter a paciência e desenvoltura da Sherazade para conseguir o que querem, outros acabam sendo levados direto ao final adiantando os passos. Seja como for, onde for, com cada pessoa vai ser diferente. Os que procuram curar uma obsessão apaixonada por outra, uma decepção por uma ilusão, que querem aplacar a necessidade do corpo, o vício, todos sabem que é impossível reproduzir uma foda. É isso que torna o sexo sacro, um instante que jamais volta e que marca até a morte. Se eu não morrer na cama, tenho certeza que os meus últimos pensamentos serão relembrando os meus orgasmos. Lembrar e reviver. Mesmo se alguém transar com o Diabo corre o risco de encontrar com Deus.
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Enfim, a explosão. Pode ser um tiro de escopeta, uma flechada ou um show de fogos de artifício, ela sempre traz a aniquilação. Uma vez, várias vezes; após o frenesi vem o arrebatamento. E quando a volúpia é saciada, a libido se cala, o sexo dorme, o sangue flui novamente, a respiração descansa, o corpo deita-se exausto, o suor lava a alma, é que se pode perceber quem está ao seu lado. Nem sempre a surpresa é agradável, e nas vezes que for, pode não ser mais do que aquela única vez. É naquele momento, quando estamos mais fracos e expostos, que o Eu Te Amo faz a diferença, que o amor mostra o seu poder de transcendência. Entretanto, para ter uma boa noite de prazer não é necessário amar, todavia, é preciso ainda reconhecer na pessoa escolhida o mínimo de cumplicidade. Não importa como se faz sexo, não existe sexo sujo ou errado, o importante é se depois do sexo a satisfação da escolha de quem foi eleito para dividir a experiência mais íntima que se é possível ter perdura. Promiscuidade não é medida com quantos parceiros se deita, e sim através do discernimento de escolher alguém que saiba respeitar a solenidade do nosso corpo.
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Um comentário:

E agora José? disse...

Vou guardar essa crônica para quando a minha filha começar a querer sair sozinha...