terça-feira, 21 de abril de 2009

MARIA


"Ave Maria cheia de Graça
o Senhor é convosco
Bendita sois vós entre as mulheres
Bendito é o fruto de vosso ventre..."
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. MARIA .

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Novamente ela rumava para o coração do bosque. A lua beijava seus pequeninos pés que ao andar, pareciam acariciar a grama molhada com a suavidade de seus passos. Não era dessa vez o desespero de ser obrigada por seus pais a se casar com um homem que ela não conhecia que a levava para o refúgio entre as feras: a razão de ela abandonar seu leito no meio da noite era a esperança de reencontrar o anjo que a visitou pela primeira vez e que prometeu revê-la naquela mesma clareira. Ele a visitava em seus sonhos e a chamava. Antes de Maria encontrá-lo, tudo que habitava suas noites eram horrendos pesadelos com cães cobrindo cadelas no cio e sendo apedrejados por crianças e a angústia da futura violação ao mesmo modo animalesco pelo homem que seus pais haviam escolhido para ser seu marido.
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Até a noite em que permanecendo em vigília, Maria ouviu sons de animais enraivecidos imitados por vozes humanas e seguindo-os ela chegou à porta entreaberta da alcova de seus pais. Em meio à escuridão, Maria demorou a reconhecer quem eram aqueles que se comportavam como os personagens dos seus pesadelos, até descobrir os rostos de seu pai e sua mãe nas figuras mal iluminadas. Um grito morreu na palma da mão que Maria pôs sobre a boca para não denunciar sua presença. Ela afastou-se chocada, com os olhos enevoados por lágrimas, tremendo. Mais revoltante do que a cena em si, fora perceber que ao contrário do asco que Maria imaginava que uma mulher nessa situação devesse sentir, sua mãe parecia em êxtase ao ser violentamente currada por seu pai. Estavam tão entregues e envolvidos em sua fornicação, inebriados pelo prazer, que nem perceberam sua filha os observando. Maria perturbada fugiu de casa e correndo a esmo adentrou a floresta.
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Talvez inconscientemente ela estivesse sendo guiada por ele para encontrá-lo. Assim, entre lágrimas e soluços aconteceu o encontro com Gabriel. Sua voz, seu toque, seu hálito quente, seu calor a acalmaram e trouxeram paz para o espírito revoltado da menina que estava prestes a se descobrir uma mulher. Maria partiu dali com o gosto de rosas em sua boca e a promessa de revê-lo. Ciente de ser a escolhida para gerar o seu filho.
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Desde então suas noites se transformaram de um iminente suplício a uma espera ansiosa, em descoberta do próprio corpo. Os sonhos de Maria derramavam orvalho entre as suas pernas que se comprimiam e se roçavam ao se imaginar na mesma posição de cadela que sua mãe ficava todas as noites, para ser invadida pelo amor divino. E Maria descobriu o doce sabor dessa fonte quente e eternamente úmida que residia em si, colhendo cada vez mais fundo com os dedos a seiva que escorria abundante. Enquanto as trevas não caiam sobre o mundo, Maria tratava de se mostrar alegre e entusiasmada para o dia de seu casamento. Sua alegria mascarava a origem de seu verdadeiro prazer, toda noite ela se banhava e perfumava-se para encontrar o seu prometido, e dormia gemendo.
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Então aconteceu. Ao anoitecer, uma impiedosa tempestade se abateu contra a cidade e nela, carregada nos ventos a voz inconfundível dele avisou-a para se preparar. No momento em que os céus cessassem de açoitar a terra, ela deveria sair. Obediente ela partiu quando as nuvens pararam de derramar sua fúria. Tão rápida andava ela que parecia flutuar, ao invés de caminhar pelas trilhas lamacentas e logo, sob o luar que surgira ela alcançou a clareira onde outrora havia conhecido Gabriel. O mundo estava calado e frio e um arrepio se espalhou como um sopro sobre a sua pele. A brisa leve cresceu varrendo o descampado e com o ritmo das batidas de um coração, o som do bater de enormes asas aproximou-se, no entanto nada via Maria. Porém, mesmo sem vê-lo, Maria sabia que era ele, podia sentir em seu corpo que respondia excitado a todos os estímulos. Cada vez mais severa se tornava a ventania e sem poder se segurar, Maria foi jogada contra a relva, machucando seus joelhos. Ao tentar se levantar ela sentiu algo a prendendo pela cintura, por trás. As mãos queimaram sua pele e ao invés de dedos, ela sentiu cravar-se em sua carne garras ávidas por mantê-la dominada, como um predador imobilizando sua presa. Era surpreendente como aquele tratamento brutal a estimulava.
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Suas roupas foram feitas em farrapos em pleno ar e sem esperá-la, de uma só vez a luz quente, ardente, sólida e macia se enterrou nela fazendo-a gritar. Maria sentiu suas entranhas se revolvendo, estranhando o corpo que a invadia e a machucava, forçando-a a se acostumar para recebê-lo na intimidade de seu ventre. A dor era deliciosa, o sangue queimando, misturado ao prazer, escorria por suas pernas claras. Seus cabelos eram puxados para trás, como as rédeas nas mãos de um domador que se depara com um corcel selvagem. Ao redor, todas as bestas assistiam a união entre o céu e a terra personificada no corpo daquela mulher e uivavam, gemiam, latiam, silvavam, cantavam e urravam em adoração.
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Maria sentia como se dentro dela houvesse uma brasa incandescente que fazia seu corpo se retorcer e a sensação de desespero e prazer aumentava na mesma medida, uma escalada que a alucinava. A voz, pois tudo que ele era se resumia em som, gemia em seus ouvidos, ofegando e a lambendo e mordendo. Marcando-a, como os cães fazem ao cobrir suas fêmeas.
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Antes de desmaiar, do universo se tornar negro e vazio, Maria olhou para a poça de chuva próxima e no reflexo do espelho d’água vislumbrou por um segundo Deus através de Gabriel, gozando vida dentro de seu corpo. Bradando aos céus e se desfazendo em luz.
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2 comentários:

sel disse...

Ola,carissimo amigo...nossa sua versão é o bicho..Rodolfo tu não presta garoto...kkkk!amei,me excitei...ae!!Conte-me,qdo vai passar tudo isso para um papel,este seu textos maravilhosos,quero ter estas obras primas em minha estante!Belíssimo!!!

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Ele não é maravilhoso, Sel? às vezes chega a me assustar, mas quanto mais eu me assusto, mais gosto de tudo isso...