quarta-feira, 21 de maio de 2008

Marina Colasanti, again

Para sentir seu leve peso

Guardava o rouxinol numa caixinha. Tudo o que queria era andar com o rouxinol empoleirado no dedo. Mas, se abrisse a caixinha, ah! certamente fugiria.

Então amorosamente cortou o dedo. E, através de uma mínima fresta, o enfiou na caixinha.

.

O passarinho

Começou dizendo que tinha um passarinho na cabeça. Queixava-se.

O passarinho batia as asas, a cabeça doía. Ninguém lhe deu atenção.

Parou até de se queixar. Gemia, conversava com o passarinho que a habitava. Morreu sufocada, o nariz entupido de alpiste.

.

A busca da razão

Sofreu muito com a adolescência.

Jovem, ainda se queixava.

Depois, todos os dias, subia numa cadeira, agarrava uma argola presa no teto e, pendurado, deixava-se ficar.

Até a tarde em que se desprendeu esborrachando-se no chão; estava maduro.

.

Na estréia

I

Na noite de estréia o leão tremia tanto de emoção que, num bater de dentes, acabou decepando a cabeça do domador.

II

Na noite de estréia, ao serrar sua mulher em duas, o mágico percebeu que só gostava da parte de cima.

III

Na noite de estréia, depois que todos se foram e as luzes se apagaram, a bailarina deitou-se no fio e adormeceu.

.

A paixão da sua vida

Amava a morte. Mas não era correspondido.

Tomou venveno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.

Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.

.

Semelhança

I

Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. Eu deitava a cabeça no ombro dele e miava baixinho.

II

Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. E eu me apanterava toda para agradá-lo.

III

Vivia dizendo. Mas só acreditei no dia em que, saltando do ármario, cravei-lhe os dentes na carne e o devorei.

.

Uma engrenagem

Desmontou a cabeça, peça por peça. Azeitou, poliu, limpou com flanelas. Depois começou a montar. Pronta, viu que uma engrenagem tinha ficado na mesa. Pensou em recomeçar. Tentou. Não conseguiu. Faltava, para saber desmontar, aquela engrenagem principal.

.

Mais da Marina Colasanti pra vocês.

2 comentários:

I'm Nina, Marie, etc... disse...

"Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. Eu deitava a cabeça no ombro dele e miava baixinho."

(isso me lembra algo...)

"Vivia dizendo que eu parecia uma pantera. Que o andar, que os olhos. E eu me apanterava toda para agradá-lo."

(cada vez mais familiar...)

"Vivia dizendo. Mas só acreditei no dia em que, saltando do ármario, cravei-lhe os dentes na carne e o devorei..."

(hmmmm... coincidência?)

sel disse...

Muito bom...bjos!!!