quarta-feira, 19 de junho de 2024

ALEXANDRINA - A Grande - Parte I

 

A inocente menina de pele clara e bochechas rosadas nunca mais esqueceria a primeira vez que os seus olhos azuis viram o leviatã de ferro e vapor que se agigantava à sua frente. A besta mecânica colossal movida a carvão em brasa que expelia colunas incessantes de fumaça galgando as alturas celestiais parecia para ela, uma simples camponesa, uma visão vinda dos sonhos. Então ela soube através de sua mãe que aquilo era o que iria levá-la para a sua nova casa no outro lado do mundo.

Sentiu-se nervosa. Parcialmente curiosa pelo futuro que se apresentava e maravilhada pelas possibilidades que o mundo reservava, mas também ao mesmo tempo triste pois mesmo com poucos anos ela já era capaz de entender que havia ali também uma despedida implícita que determinaria sua vida para sempre; ela jamais retornaria à sua terra natal.

Sua humilde casa de dois andares onde vivera até então os seus dez anos permaneceria apenas em suas lembranças. E tais memórias ficaram marcadas profundamente em sua mente como quando no inverno sua família compartilhava a casa com os animais que dormiam no chão enquanto eles se deitavam no andar superior e desta forma com o calor das bestas o interior do lar se mantinha aquecido permitindo que eles pudessem resistir ao frio implacável. O lar de sua infância seria deixado para trás ao pisar a bordo do navio de imigrantes. Como Jonas ela fora engolida por aquela baleia de aço e o seu derradeiro destino se iniciaria quando enfim desembarcasse.

Os pais da garota, sua irmã pequena, a avó materna e os avós e tios paternos sonhavam com uma terra menos árdua, gélida e hostil. Toda sua família estava cansada de lutar pela sobrevivência e compreensivelmente desejava uma vida melhor. O novo século trazia em si o augúrio de profundas mudanças que se formavam como uma tempestade por sobre o mundo. A menina e sua família só queriam se abrigar antes da tormenta chegar.

E um pouco antes da dinastia dos czares encontrar o seu fim chegou até eles o rumor de um convite a um paraíso onde bastava plantar para colher em abundância e o verão era eterno. Se tratava de um país do outro lado do mundo que eles nunca haviam ouvido falar. Esta terra encantada estava de braços abertos convidando os trabalhadores europeus para construírem seus lares em seu regaço. Cheios de esperança eles ganharam o mar arriscando tudo por tal promessa sem saber o preço que este sonho iria custar.

Este embuste brasileiro atraiu milhares de imigrantes para trabalharem nos campos ocupando o lugar da mão de obra barata que os fazendeiros desejavam para explorar na lavoura após o fim da abolição da escravatura. Os imigrantes também serviriam para serem triturados nas engrenagens dos tempos modernos que exigiam gente para se arriscar nos rincões selvagens e pavimentar as novas estradas e trilhos do futuro. Sem saber a menina e sua família fugiam do epicentro dos maiores conflitos da humanidade para cair na armadilha de uma nova república que ainda funcionava como uma colônia: sempre parasitando o povo em prol dos interesses dos ricos.

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