quarta-feira, 3 de julho de 2024

ALEXANDRINA - A Grande - IN MEMORIAM


Uma das filhas de Alexandrina foi Ilda Klimeck Depetris que se casou com Sebastião Depetris e teve quatro filhos: um menino que faleceu com cerca de um ano e três filhas. Rosangela, a filha do meio, depois de casar-se com Carlos Cesar Machado adotou um menino, sobrinho de Cesar. Este sou eu.

Quando meus pais se separaram escolhi agregar os sobrenomes Klimek Depetris da minha mãe ao meu que até então era apenas Machado. Inspirado por meus avós e bisavó maternos resgatei tanto a história do Klimek russo quanto dos Depetris greco-italiano deixando registrado para a posterioridade o legado de ambos.

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IN MEMORIAM

Assim como Alexandrina, eu fui uma criança muito imaginativa. Em 2009, aos 23 anos, participei de uma coletânea de contos de escritores de Itararé com um dos meus contos sendo sobre a história de origem da minha bisavó. Na época a revisora do meu texto foi a grande escritora itarareense Maria Coquemala a quem agradeço eternamente pelo auxílio e apoio. Este é o mesmo conto em uma nova versão revista anos após a sua publicação.

Eu tive o prazer de conviver com a minha bisavó Alexandrina durante a infância e início da adolescência tendo esta experiência me marcado profundamente. Sua figura alegre que sempre sorria ao me ver agora também sempre me traz um sorriso ao rosto quando me lembro dela.

Alexandrina costumava nos visitar aos finais de semana dizendo que tinha vindo “ver o fio” – esta era a maneira carinhosa que ela usava para se referir a mim – e como morava próxima, na volta, eu a levava andando devagar, respeitando seus passos, com ela segurando meu braço toda orgulhosa passeando pelas ruas distribuindo simpatia.

O quintal de terra de sua casa era um lugar mágico onde eu brincava embaixo das jabuticabeiras e cavava buracos atrás de minhocas. Lá meu avô Sebastião Depetris, marido de Ilda, filha de Alexandrina, manteve por anos o seu paiol com suas ferramentas e tranqueiras amontoadas junto de uma caixa de abelhas sem ferrão que ele comprara para ter mel. Fuçar naquela bagunça era como explorar um tesouro perdido e é outra querida lembrança dos meus tempos de infância.

Nós chamávamos as abelhas carinhosamente e com um certo deboche de “Bastionetes” em homenagem a meu avô que ao contrário do mel das abelhas de doce e meloso não tinha nada. Meu avô era um homem rude que só se permitia demonstrar afeto para com animais e crianças e por isso por um tempo fui alvo deste seu carinho especial e pude testemunhá-lo direcionar tal cuidado com os bichos e criançada que conheceu. As Bastionetes um dia desapareceram sendo provavelmente furtadas por algum vizinho de olho gordo ou foram libertas por alguma caipora que as levou embora para a mata... Tudo era possível naquele reino mágico.

A casinha de Alexandrina de paredes verde-clara continha uma sensação de pertencimento e paz. Eu quando a visitava acompanhava com curiosidade o ritual diário da minha bisavó de tomar chá-mate e rezar o terço e via o calendário dela com a figura do Sagrado Coração de Jesus com espanto, um certo medo e admiração pelas cores fortes e vibrantes.

O azul celeste, o amarelo do fogo, o vermelho vivo do coração ensanguentado em contraste com o rosto calmo de porcelana daquele Messias europeu me fascinava. Embora aqueles símbolos não significassem nada para mim ainda me lembro como se fosse a primeira vez da sensação de estranheza de encarar aquele desenho que ainda me parece pitoresco e contraditório.

Outra recordação é das suas louças e porcelanas e móveis antigos, o chão de pedra de piso vermelho, a sensação de ter tido contato com a o crepúsculo de vida de uma imigrante que encarava seus dias com alegria se sentindo feliz simplesmente por estar viva e ter superado tantos desafios.

Agora então depois de conhecer as adversidades de sua história entendo o porquê ela ser tão contente. Ter sobrevivido a tudo e chegado à velhice com saúde era a sua maior conquista e a felicidade sua maior vingança.

Suas rugas lhe rendiam um ar místico como as feiticeiras dos desenhos animados, entretanto ela jamais poderia ser considerada uma bruxa má. Pelo contrário, seu sorriso poderia fazer qualquer um se render.

Revisitar e compartilhar estas lembranças me dá a chance de voltar a ser o menininho que adorava o colo da bisavó ou o jovem que caminhava com ela de braços dados e quanto mais envelheço mais vejo e valorizo o quanto foi importante ter vivido estes momentos.

Ela que era tão baixinha e com a idade ficou ainda mais recurvada, mas que aos meus olhos adultos se tornou gigante.

Assim hei de me lembrar dela de agora em diante não só com o apelido de “vózinha” que era como a chamávamos, mas como “Alexandrina, – A Grande”.

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