segunda-feira, 1 de julho de 2024

ALEXANDRINA - A Grande - Parte V

todas as fotos pertencem ao acervo de memórias de Alexandrina

              as identidades dos indivíduos nelas retratados são desconhecidas 

                     

Como se as coisas não pudessem piorar, uma névoa surgiu obstruindo o horizonte e os ventos morreram por completo. Quando a noite veio a escuridão era profunda envolvendo todo o navio em um reino de mistério e magia com uma mortalha fúnebre sobre aquele imenso caixão flutuante. O ronco dos motores e as vozes abafadas do calabouço eram os únicos sons que cortavam o silêncio tirânico. O mundo dos sonhos estava mais próximo do que o normal e a ameaça do desconhecido espreitava sorrateira causando arrepios.

Perdida em devaneios Alexandrina foi acordada por um choro familiar. Eram gritos altos e fortes a plenos pulmões de criança de colo como se um lobo ou tigre branco estivesse pronto para atacar seu berço ou como se as águias gigantes que arrebatavam recém-nascidos das histórias que sua mãe lhe contava estivessem mesmo atrás de um bebê. Alexandrina assustada e ainda meio sonhando acordada seguiu o choro tateando seu caminho, sendo levada em transe para o convés escorregadio. Um passo em falso a faria desaparecer nas águas sem que alguém pudesse encontrá-la e nada além do seu anjo da guarda a protegia de uma tragédia.

A morte a tirara para dançar e a pequena sem saber do perigo que corria seguia cega para o abismo. Se ela sem querer não tivesse esbarrado no capitão que foi pego desprevenido pela menina que surgia do nada como conjurada no ar não há como saber se ela terminaria a sua viagem. Ela caiu sentada e desandou a chorar acordando de vez com o susto. Instintivamente o capitão apiedou-se da menina e se ajoelhou abraçando-a para acalmá-la e o toque de outro ser humano que por quarenta dias ela não sentia apaziguou sua mente.

O capitão sob efeito daquele marasmo tétrico estava ruminando a culpa de condenar os passageiros à sua própria sorte. Entre aqueles pobres coitados que fugiam de suas terras e os homens que o acompanhavam ele não hesitou em escolher por aqueles que confiavam em sua autoridade e obedeciam a suas ordens. A triste realidade era que dificilmente viagens como aquelas ocorriam sem baixas e ele estava calejado de tanto cruzar os oceanos vendo corpos que se tornavam comida para os tubarões que seguiam o navio devorando tudo que era a eles atirado. Poseidon raramente deixava de cobrar seu tributo.

Alexandrina tentou omitir sobre o que ouvira, mas ao ser encarada pelos olhos do velho lobo-do-mar a menina acabou confessando que ouvira o choro da irmã e a estava procurando. Assim que Alexandrina contou sobre o que acontecera o som de água sendo jogada para o alto com forte pressão ecoou na escuridão rendendo um susto e um momento de risadas descontroladas do homem e da menina pelo sobressalto inesperado. Uma baleia enorme e negra chegara para afastar os tubarões e escoltar aqueles infelizes para fora do reino de morte que se encontravam.

Era de conhecimento do capitão que uma das imigrantes estava escondendo o corpo da filha bebê recém-vítima do sarampo. A mulher não queria que jogassem a filha morta ao mar e por isso escondia a criança no colo a ninando como se ela estivesse dormindo. Porém ele não sabia que a menina que observava seus marinheiros trabalhando era irmã da falecida. O capitão fingira até então não saber sobre o ocultamento já que a quarentena estava para se encerrar e estavam para chegar ao destino final.

Com certeza estes foram os quarenta dias mais duros da infância de Alexandrina que disse para as filhas e netos que sua irmã teria sido enterrada em uma ilha deserta no mar. Quem sabe uma Ilha Pirata? Mal sabia ela que aquilo na verdade era o Brasil. Os navios com imigrantes muitas vezes nem chegavam a aportar simplesmente desembarcando seus passageiros estrangeiros em barcos pequenos ao invés de se dar o trabalho de manobrar para ancorar.

 

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